Às vezes, ele caminhava durante horas e quilômetros e retornava, só à meia-noite, para sua casa. E no seu percurso veria os chalés e as casas com suas janelas escuras, e não parecia diferente de caminhar através de um cemitério, onde apenas a tênue luz bruxuleante de vaga-lumes surgia em lampejos atrás das janelas. Repentinos fantasmas cinzentos se manifestavam dentro das paredes dos cômodos onde uma cortina permanecia fechada contra a noite, ou se ouviam sussurros e murmúrios onde uma janela em um prédio tumular ainda estava aberta.
O sr. Leonard Mead faria uma pausa, aprumaria a cabeça, ouviria, olharia e iria embora sem fazer barulho na calçada irregular. Fazia muito tempo ele sabiamente havia decidido usar tênis para sair à noite, porque os cães, em intermitentes esquadrões, cercariam sua caminhada de latidos se ele usasse sapatos comuns e as luzes poderiam se acender e rostos apareceriam e uma rua inteira se sobressaltaria com a passagem de uma criatura solitária, ele próprio, em uma noite do início de novembro.
Nessa noite em particular, ele iniciou sua caminhada rumo a oeste, na direção do mar escondido. Havia uma geada cristalina no ar; ela invadiu seu nariz e fez os pulmões luzirem como uma árvore de Natal interna, dava para sentir a luz fria piscando, todos os galhos cobertos de neve invisível. Ele ouvia a pressão de seus sapatos macios sobre as folhas de outono prazerosamente e assoviava uma melodia fria e suave por entre os dentes, pegando uma folha ocasionalmente enquanto ia passando, examinando seu desenho esquelético sob a luz de uma ou outra lâmpada, à proporção em que se deslocava, sentindo seu odor ferruginoso.
“Ó de casa!”, ele murmurava para cada casa por onde passava. “O que está passando no canal 4, no canal 7, no canal 9? Para onde estão indo os caubóis, posso ver a cavalaria, na próxima colina, pronta para entrar em ação?”
A rua era silenciosa, comprida e vazia, só havia a sombra dele movendo-se como a sombra de um falcão no meio do campo. Se ele fechasse os olhos e ficasse imóvel, enregelado, poderia se ver no centro de uma planície, um invernal deserto americano, sem vento, sem uma só casa por centenas de quilômetros, e apenas leitos secos de rios, as ruas por companhia.
“E agora?”, ele perguntava às casas olhando seu relógio de pulso. “Oito e meia da noite? Hora de uma dúzia de assassinatos sortidos? Um programa de perguntas e respostas? Um comediante caindo do palco?”
Aquilo era o som de uma risada saindo da casa cor de lua? Ele hesitou, mas retomou a caminhada quando nada mais aconteceu. Tropeçou em uma região particularmente irregular da calçada. O concreto estava desaparecendo sob flores e grama. Em dez anos de caminhada à noite ou durante o dia, por milhares de milhas, ele nunca havia encontrado outra pessoa, nem mesmo uma única vez.
Ele chegou a um trevo silencioso onde duas rodovias principais cortavam a cidade. Durante o dia, o cruzamento era uma tonitruante onda de carros, postos de gasolina abertos, um imenso ruge-ruge de insetos, um incessante vaivém em manobras de posicionamento como um bando de besouros, um cheiro fraco de incenso saindo dos escapamentos chegava à superfície indo em direção aos lares distantes. Mas agora essas rodovias também pareciam ribeiros em uma estação seca, só brilho de pedra, leito e lua.
Ele virou em uma rua lateral, fazendo meia-volta em direção à sua casa. Estava a uma quadra de seu destino quando um carro solitário dobrou a esquina repentinamente e jogou um violento cone de luz branca sobre ele. Ele ficou estatelado, não muito diferente de uma mariposa noturna, atordoada pela luz e então atraída por ela.
Uma voz metálica disse a ele:
“Parado. Fique onde está, não se mexa!”
Ele se deteve.
“Mãos ao alto!”
“Mas...”, ele disse.
“Mãos para cima! Ou atiramos!”
A polícia, claro, mas que coisa rara e incrível; em uma cidade de três milhões de habitantes, havia apenas um único carro de polícia! Desde 2052, um ano antes, ano de eleição, a força havia sido reduzida de três carros para um. A criminalidade estava declinando; não havia mais necessidade de polícia, exceto por esse único e solitário carro vagando e vagando pelas ruas vazias.
“Qual o seu nome?”, disse o carro de polícia com um sussurro metálico. Ele não conseguia ver os homens dentro do carro devido ao forte clarão em seus olhos.
“Leonard Mead”, ele disse.
“Fale alto!”
“Leonard Mead!”
“Ocupação ou profissão?”
“Acho que poderiam me chamar de escritor.”
“Sem profissão”, disse o carro de polícia, como se falasse para si próprio. A luz o mantinha estático, como um espécime em um museu, alfinete traspassado no peito.
“Pode-se dizer que sim”, disse o sr. Mead. Ele não escrevia fazia muitos anos. Revistas e livros não tinham mais muita saída. Todas as coisas seguiam seu rumo nas casas sepulcrais, agora à noite, ele pensou, prosseguindo em sua fantasia.
Os sepulcros mal iluminados pela luz dos televisores onde as pessoas se sentavam, como os mortos, com as luzes cinza ou multicoloridas tocando seus rostos, mas nunca realmente as tocando.
“Sem profissão”, sibilou a voz fonográfica. “O que o senhor está fazendo aqui fora?”
“Caminhando”, disse Leonard Mead.
“Caminhando!”
“Só caminhando”, ele disse simplesmente, mas o rosto ficou gelado.
“Caminhando, só caminhando, caminhando?”
“Sim, senhor.”
“Caminhando aonde? Para quê?”
“Caminhando para tomar ar. Caminhando para ver.”
“Seu endereço!”
“Rua Saint-James, sul, número 11.”
“E tem ar em sua casa, o senhor tem um aparelho de ar-condicionado, senhor Mead?”
“Sim.”
“E o senhor tem uma tela-visor em sua casa para ver as coisas?”
“Não.”
“Não?”
Houve um silêncio estrepitoso que era por si só uma acusação.
“O senhor é casado, senhor Mead?”
“Não.”
“Não é casado”, disse a voz policial detrás do feixe ofuscante. A lua era alta e clara entre as estrelas e as casas eram cinza e silenciosas.
“Ninguém me quis”, disse Leonard Mead com um sorriso.
“Não fale, a não ser que lhe dirijam a palavra!”
Leonard Mead esperou na noite fria.
“Só caminhando, senhor Mead?”
“Sim.”
“Mas o senhor não explicou com que finalidade.”
“Expliquei, para tomar ar, e ver as coisas, e caminhar apenas.”
“O senhor faz isso freqüentemente?”
“Toda noite, há vários anos.”
O carro de polícia permanecia no meio da rua zumbindo fracamente com sua garganta radiofônica.
“Bem, senhor Mead”, disse o carro.
“Isso é tudo?”, ele perguntou educadamente.
“Sim”, disse a voz. “Aqui.”
Houve um suspiro, um estalo. A porta de trás do carro de polícia escancarou-se.
“Entre.”
“Espere aí, eu não fiz nada!”
“Entre.”
“Eu protesto!”
“Senhor Mead.”
Ele andava como um homem repentinamente embriagado. Ao passar pela janela da frente do carro, olhou para dentro. Conforme esperava, não havia ninguém no banco da frente, ninguém em todo o carro.
“Entre.”
Ele pôs a mão na porta e examinou o banco traseiro, uma pequena cela, um carcerezinho negro com barras. Tinha cheiro de aço rebitado, cheiro de anti-séptico acre, cheiro de limpo demais, duro e metálico. Não havia nada suave ali.
“Se o senhor pelo menos tivesse uma esposa para lhe servir de álibi”, disse a voz férrea. “Mas...”
“Aonde estão me levando?”
O carro hesitou, ou melhor, deu um fraco estalido, como se a informação, em algum lugar, estivesse chegando através de cartão perfurado sob olhos elétricos.
“Ao Centro Psiquiátrico de Pesquisa em Tendências Regressivas.”
Ele entrou. A porta se fechou com um baque surdo. O carro de polícia rodou pelas avenidas da noite, projetando suas luzes fracas.
Passaram por uma casa em uma rua, logo em seguida, uma casa em toda a cidade de casas escuras, essa casa em particular tinha todas as suas luzes elétricas brilhantemente acesas, cada janela uma iluminação amarela, quadrada e morna na escuridão fria.
“Aquela é a minha casa”, disse Leonard Mead.
Ninguém respondeu.
O carro desceu as ruas vazias como leitos de rio e foi embora, deixando as ruas vazias, com calçadas vazias, e nenhum som e nenhum movimento por todo o resto da fria noite de novembro.
Ray Bradbury, "A cidade inteira dorme e outros contos breves"

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