quarta-feira, abril 8

Visões de hoje e de ontem

n Jovem impressionado
Estudante compra “A cartomante e outras histórias”, de Machado de Assis, depois de visitar as estantes das duas lojas. Com o dever de casa numa sacola, pergunta:
- Vocês é que montaram isso (a livraria) aqui?
Com a resposta afirmativa, é categórico:
- Vocês devem gostar muito de livro!


n O jovem na livraria
(um memorial)

Antonio Lisboa Carvalho de Miranda

De pé, lendo na livraria.
Nas proximidades, os bondes
confluindo no Tabuleiro da Baiana;
marmiteiros na direção de grotões
com valões a céu aberto;
trens trepidando e perdendo-se
nas penumbras ignotas e tristes
de um desterro suburbano.

De pé, lendo na livraria.
La fora, analfabetos e letrados
revezando-se no espaço
sem solução à vista:
Brasil, país do futuro!
(Escuro, muro, desconjuro.)
Transeuntes, ambulantes
e uma elite na livraria.

Senhores nos botecos, goles
de café, “lotações”; ainda havia
batedores de carteira, malandros,
funcionários públicos (barnabés)
pelos institutos de previdência.
O garoto, de pé, na livraria
lendo Drummond, Bandeira,
vindo do bairro mais distante.

Brasil, afinal, Campeão do Mundo!
Sorrisos sem dentes, salário mínimo,
programas de auditório, carnaval.
Mundo mundo, vasto mundo, eu não
me chamo Raimundo
, mas Antonio,
flébil, esguio, com dinheiro apenas
para o pastel e o ônibus; os livros
eram leitura de livraria, de pé.

O pai, barnabé; a mãe, costureira.
De pé, lendo na livraria: Drummond,
Cabral, Bertrand Russell, e algo mais.
Um fragmento de Baudelaire, um pedaço
de Aimé Cesaire, frase de Nietzsche.
“-Que livros você quer levar, meu jovem?”
Pensou: “nenhum”. Gostaria, mas não podia.
Lá fora, tantos outros como ele.

Personagens sem olhos, sem boca.
Massas humanas movendo-se
anônimas; bacharéis luzindo anéis.
“A vida como ela é”, do Nelson Rodrigues.
Vedetes de teatro de revista, Ibrahim Sued.
Miss Brasil não falava inglês
e já imitavam jazz e rock
e a bossa-nova queria ganhar o mundo!

E o garoto, de pé, na livraria.
“Pode levar os livros que quiser, sem pagar”.
(...) “Sim, isso mesmo, jovem, os livros
que quiser: dois, dez, à vontade”.

Quis correr, encabulado, assustado.
“Uma pessoa viu-o lendo, e emocionou-se:
(...) Um magistrado, um homem abastado.”
(...) Deixou crédito aberto a seu favor...”


“Machado de Assis? Jorge Amado?
Menotti del Picchia? Sartre? Camus?”
“O que quiser, o que consiga levar!”

(...) Na estante de casa havia livros
emprestados da biblioteca pública.
Sorte que havia bibliotecas públicas!!!
Levou para casa o J. C. de Melo Neto
e a filosofia difusa de Lin Yutang.

...............................................................
...............................................................
...............................................................
...............................................................
Outros livros seguiu adquirindo
por conta própria: tantos, tantos!
E ali está, de pé, na livraria,
outro jovem suburbano lendo um livro!!!
10/06/2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário