segunda-feira, outubro 31

A grande luta

Livro nacional? Não quero!

Semana passada, fui abordado em uma livraria do Leblon por uma moça que queria ajuda na escolha de um livro de suspense ou de aventura. Entre os lançamentos, recomendei livros do André Vianco e do Raphael Draccon. A moça estava bastante entusiasmada com as indicações até ler a biografia dos autores. Sua expressão mudou subitamente e ela largou os livros com um vigoroso “ai, autor brasileiro não, né?”. Perguntei qual era o problema e ela se defendeu, dizendo que o livro não era para ela e que “dar de presente livro nacional pega mal, né?”. Sem muita paciência, me afastei, mas fiquei observando quando ela pescou um Harlan Coben na prateleira e enfiou-se na fila para pagar.

Dias antes, eu havia dado uma palestra ao lado de diversos autores de literatura nacional. O evento estava cheio e o entusiasmo dos leitores em ter contato direto com autores era evidente. Diante de episódios tão díspares, foi inevitável a pergunta: por que o brasileiro não lê brasileiros? Sendo mais específico: por que brasileiro não lê brasileiros contemporâneos?

Quero falar daquelas obras de gênero (policial, fantasia, chicklit, terror) que disputam com os best-sellers e, vez ou outra, conseguem seu espaço no mercado editorial. André Vianco, por exemplo, chegou na marca de um milhão de exemplares com suas histórias de vampiro — tema bastante explorado em obras estrangeiras também. O mesmo vale para Thalita Rebouças e Paula Pimenta, fortíssimas no segmento jovem. Há romances nacionais para os mais variados gostos, sempre trazendo características e paisagens tipicamente brasileiras, o que torna a identificação com a história muito mais eficaz. Por que, então, os livros estrangeiros ainda têm preferência?

Quién ha dicho que las ‘pin up’ no leen? (ilustración de Gabriela Andrade)
Gabriela Andrade
A internet deu voz a diversos potenciais contadores de histórias. A facilidade no contato com os leitores e editoras; a praticidade e a eficácia da divulgação, além de outros recursos que o mundo virtual disponibiliza são os motivos que tornaram mais fácil o surgimento de novos autores — em sua maioria jovens — no mercado editorial. Ao passo que o número de escritores cresceu, a publicação também sofreu mudanças. Sua forma tradicional deixou de ser o único meio pelo qual um livro é editado e posto à venda. Abriu-se um leque de alternativas que vão desde a publicação independente até a premiação em concursos literários. Isso é ótimo, pois aumentou a variedade de temas e deu maior destaque à produção nacional. Ao fazer sucesso, um escritor ajuda não só a si, como a todos que produzem aquele tipo de literatura no país.

Por outro lado, com o crescimento da quantidade de textos publicados, a qualidade diminuiu. Buscando realizar o sonho de ter seu livro à venda, muitos escritores não tomam os cuidados devidos na hora de lançar sua obra no mercado: falta paciência, profissionalismo e comprometimento. Daí, alguns romances chegam às prateleiras mal revisados e mal editados, o que denigre a imagem da literatura nacional de gênero — que ainda está em delicada construção.

Muitas vezes apontada como a vilã da história, a editora precisa ser defendida. A maioria das editoras recebe dezenas de originais por semana, o que torna impossível a cuidadosa avaliação de todos eles. Assim, destacam-se na pilha aqueles que prendem logo nas primeiras páginas e que trazem uma proposta bem feita, sem erros graves de gramática etc.

Uma vez editado, o romance brasileiro entra em uma verdadeira selva, disputando atenção e espaço com best-sellers estrangeiros que já chegam ao país com a onda do sucesso. Como todo negócio, as editoras precisam sobreviver financeiramente. Por isso, costumam investir pesado na produção, na distribuição e na divulgação dessas obras internacionais. São títulos que já deram um retorno positivo em outros países e, provavelmente, trarão bons números por aqui também. Vencer esta barreira de marketing para chegar ao leitor brasileiro é um grande desafio ao escritor nacional.

Nesse sentido, os blogs e canais literários são essenciais para a divulgação de um livro. Essas plataformas apresentam lançamentos e resenhas que geram uma repercussão inimaginável junto aos leitores. Quando uma rede de leitores especializados elogia um romance, a propaganda se difunde rapidamente na rede. Além disso, a internet facilita o contato direto entre escritores — principalmente nacionais de gênero — e blogueiros. Há vantagens para os dois lados: para o escritor, que acompanha de perto o retorno sobre sua obra; para o blogueiro, que pode trocar ideias e fazer entrevistas.

Infelizmente, alguns blogs acabam esquecendo que seu principal papel é difundir o gosto pela leitura. Muitos se deixam levar pelo sistema de parcerias (ganham livros de autores e/ou editoras para sortear) e acabam baixando a qualidade ou simplesmente deixando de comprar obras — uma vez que recebem quase todas de graça. A mim, isso parece uma inversão de papéis.

Por fim, claro, os leitores. Como os títulos brasileiros não costumam receber maior atenção da imprensa, o boca a boca acaba sendo responsável pela quebra do preconceito que muitos leitores têm com obras nacionais. Além disso, o leitor é a força maior que leva um escritor a se dedicar ao seu romance. Sem leitores não há escritores. É essencial que todos juntos se dediquem a criar uma literatura brasileira de gênero cada vez mais especializada e bem difundida entre nós. Vamos em frente?

Raphael Montes

No Halloween também se lê

Todos leen en Halloween (ilustración de Marta Álvarez Miguéns)
Marta Álvarez Miguéns

Nos 20 anos da morte de João Antônio, material inédito será lançado

No dia 31 de outubro de 1996, há exatos 20 anos, numa cena tão crua que parecia saída de um de seus contos, o escritor paulista João Antônio foi encontrado morto por um zelador, que arrombou a porta do seu apartamento depois que vizinhos notaram uma estranha nuvem de urubus pairando sobre o edifício de Copacabana. João já tinha sofrido um infarto havia cerca de três semanas, e cada detalhe do cenário funesto indicava que ele estava preparando uma viagem rápida antes da definitiva: sapatos casados no chão do quarto, camisas dobradas sobre a cama, uma maleta aberta.

Aos 59 anos, o premiado autor de “Abraçado ao meu rancor”, “Malagueta, perus e bacanaço” e “Leão de chácara” morreu apoucado, quase esquecido. Elogiado nos anos 1960 e 70 por críticos como Antonio Candido, Paulo Rónai e Alfredo Bosi, que o tinham como um herdeiro direto de Lima Barreto, ao assumir personagens marginais como protagonistas — e tome malandros, prostitutas, traficantes, bêbados —, João Antônio passava por um momento apagado nos anos 1990. A obra do jornalista e escritor só recuperou o prestígio quase dez anos depois de sua morte, quando a família doou parte do acervo à Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), aumentando o interesse acadêmico sobre seus escritos; e parte à editora Cosac Naify, que relançou seus títulos em edições de luxo.

Acervo de anotacoes e cartas do escritor 
Com o fim da Cosac, em dezembro, o legado de João perigou mais uma vez. Até o editor Milton Ohata abraçar o arquivo e levá-lo à Editora 34. Literalmente: o material está em duas caixas de polietileno azul, que, encimadas, cabem num abraço. Ao vasculhar os papéis, Ohata encontrou muito material ainda inédito em livro, como longas reportagens literárias, deliciosas crônicas musicais e textos sobre o cotidiano carioca. A boa notícia para os fãs de João Antônio — certamente há um séquito deles ainda jogando sinuca em bares do Rio, São Paulo, Osasco ou Berlim, cidades onde o autor viveu — é que todos esses textos serão lançados pela 34 a partir do ano que vem. E também uma nova edição dos seus “Contos reunidos” e versões mais acessíveis dos contos separadamente.

domingo, outubro 30

Não posso

Eu nunca posso ler todos os livros que quero; Eu nunca posso ser todas as pessoas que quero e viver todas as vidas que quero
arcticdiscos: "Sylvia Plath.  1932-1963 "Eu nunca pode ler todos os livros que eu quero;  Eu nunca pode ser todas as pessoas que eu quero e viver todas as vidas que eu quero.  Eu nunca posso treinar-me em todas as habilidades que eu quero.  E por que eu quero?  Eu quero viver e sentir toda a ...
Sylvia Plath (1932-1963)

Vale a pena (sempre) ouvir de novo

Preparada para o Halloween

Preparando la lectura para Halloween (ilustración de Muertoons)
Muertoons 

Para quem não gosta de ler

A leitura deveria ser uma questão de saúde pública. Estudos realizados em vários países provaram que ela é um santo remédio para a cabeça: quem lê tende a chegar à velhice menos propenso à doença de Alzheimer. Outras pesquisas, feitas na Universidade Stanford, na Califórnia, mostraram que os neurônios envolvidos na leitura, quando exercitados com obras de ficção, como romances e contos, mantêm a aprendizagem intacta ao longo da vida. Livro significa musculação para os neurônios. Livro devorado, neurônio sarado.

m-moodfactory: "acabado algo diferente do que a minha lição de casa :)"
Além disso, os leitores assíduos apresentam maior confiança no relacionamento. O motivo é simples: o cérebro não distingue muito bem a literatura da realidade. Assim, mistura as tramas fictícias e os eventos verdadeiros enquanto absorve a diversidade de personagens, enredos e visões de mundo encontradas na literatura. Por fim, através do conhecimento adquirido, desenvolve a mente e o senso crítico. Uma curiosidade: a televisão não oferece esses benefícios. Ela entra por um olho e sai pelo outro.

Os neurocientistas também constataram que a emoção precede a razão. Em outras palavras, quem possui maior experiência com as emoções raciocina melhor. E o que são os romances senão pílulas concentradas de emoção? Como se não bastassem tantas vantagens, na Universidade Tufts, nos Estados Unidos, uma pesquisadora confirmou que a leitura cria vias expressas no cérebro, através das quais os impulsos eletroquímicos circulam em velocidade de Fórmula 1. Posto de outra forma, quem lê raciocina mais rápido.

Apesar de santo remédio, no Brasil a leitura anda doente, nas últimas. Uma avaliação da Unesco com estudantes de 66 países de todos os continentes colocou-nos entre os doze piores na capacidade de compreensão de texto. Nós, que chegamos a ser a sexta economia do mundo, lemos no nível das regiões mais subdesenvolvidas. Nossa nota não passou de 2 em 6. Quem se saiu melhor foram os chineses de Xangai, onde o governo encara a leitura com a devida seriedade e a considera uma questão econômica: sem bons leitores, o crescimento não se sustenta. De fato, a leitura é, também, uma questão econômica, como já demonstraram os sul-coreanos com sua histórica arrancada para o desenvolvimento. Ainda não aprendemos a lição. Pior para nós.

O descalabro nacional não poupou Minas Gerais. Grandes empresas mineiras suspenderam quaisquer instruções por escrito a seus funcionários. Motivo: eles as leem e nada entendem. A literatura, a principal aliada da boa leitura, foi banida para uma posição secundária nos currículos escolares. Em nossas universidades, aonde em tese chegariam os mais preparados, o semianalfabetismo também se instalou. Duvida? Pois pergunte a qualquer professor. Raros estudantes conseguem, ao término dos cursos, escrever algo inteligível sem cometer graves erros de português. Sem falar na baixa criatividade. As pequenas ilhas de Singapura e Hong Kong, por exemplo, são mais citadas em criatividade científica que o Brasil inteiro. Produzimos, no entanto, muito mais doutores do que elas, somadas.

Num mundo cada vez mais competitivo, quem conhece mais leva a melhor. O conhecimento passa pela leitura, pela intimidade com a literatura, com a língua, com a capacidade de captar as nuances de um texto, perceber ironias, concordar ou discordar diante das ideias apresentadas. Na leitura se fundem a saúde, a economia, o entretenimento, a sabedoria. Bill Gates, numa famosa frase, disse que seus filhos teriam computadores, mas antes teriam livros. Disse mais: sem eficiente leitura, não se escreve a própria história. No caso brasileiro, outros a escreverão por nós. O pior é que, como lemos mal, não desconfiaremos disso. Triste destino.

sábado, outubro 29

Soro regenerador

 :

Vale a pena (sempre) ver e ouvir de novo

"Eu sei, mas não devia",de Marina Colasanti, com Antônio Abujamra.  

O maior equilibrista

Tadam...:

Carregando seu Cervantes

Resultado de imagem para cervantes em bronze
1. Em seu consultório médico, meu pai tinha um pesa-papéis de vidro piramidal com a figura do Quixote e o nome de um remédio gravados na base. Franzino. Barbadão. Montado num cavalo ainda mais magrela. O cara devia mesmo precisar do remédio. Numa das paredes da casa de um dos meus tios estava pendurado um quadrinho do Quixote, desta vez acompanhado de Sancho e sem o nome do remédio. Daí a tia Maria Cristina foi de férias às cidades coloniais e voltou com uma lembrancinha de Guanajuato para mim: uma estatuazinha do Quixote feita de arame. O calhamaço, lógico, adornava as prateleiras da casa dos meus pais e de todos os meus tios, respeitando um costume inquebrantável da classe média de todo o mundo hispânico. Para falar a verdade, eu nunca vi ninguém ler o Quixote, mas a lombada do livraço era um adorno muito lindo mesmo.

2. Depois eu fiz seis anos e fui atropelado por uma caminhonete enquanto ia comprar chiclete (a rima é involuntária -- aliás, em espanhol não rima). Aquele foi o momento em que eu saí pela primeira vez do mundo de fantasia em que morava e entrei na realidade. Tudo para fazer uma grande descoberta: a realidade, certamente, machucava e doía. Igualzinho a Dom Quixote com os moinhos de vento, mas eu ainda não tinha lido o Quixote. Que pena ter perdido a ocasião de utilizar essa metáfora tão perfeita.

3. Logo chegou a adolescência, e na minha cidadezinha todo mundo queria ir pro Festival Cervantino em Guanajuato. Não, a gente não era muito culto: o tal Festival era, todo mundo sabia, a festa mais legal para se embebedar na rua e paquerar. Eu fui com minha turma e ficamos tomando cerveja e tequila nas escadas do Teatro Juárez. Segundo eu, meu olhar cativante estava fazendo o maior sucesso, mas logo acabei descobrindo que as meninas não tinham nem percebido minha presença. Igualzinho a Dom Quixote com Dulcineia, só que eu continuava sem ter lido o Quixote.

4. A primeira vez que eu viajei para Espanha, fiz questão de comprar a “melhor edição do Quixote”, a do Instituto Cervantes, anotada pelo Francisco Rico, papa e pope dos cervantistas. Eu estava na faculdade de letras espanholas e, no seguinte semestre, ia ter um curso dedicado ao Quixote. A edição constava de dois calhamaços com capa dura enfiados numa caixa rígida. Quatro, talvez cinco quilos. Comprei em Madri e carreguei na mochila durante dez dias por Toledo, Segóvia, Sevilha, Córdoba e Lisboa. O peso da tradição literária! (Mas essa piada eu já fiz no meu último romance, "Te vendo um cachorro", justamente inspirada nesse episódio autobiográfico.)

5. Finalmente, eu li o Quixote. In-tei-ri-nho. Foram os quatro meses mais felizes de minha vida como leitor.

6. No ensaio que escrevi para passar no curso (uma dissertação sobre o sentido trágico e cômico no Quixote), coloquei o seguinte: “Dom Quixote é, antes de mais nada, antes de um cavaleiro, um escritor que está em processo de redigir seu próprio livro de aventuras. Dom Quixote é um estranho rei Midas que transforma em literatura tudo aquilo que ele toca (…) O que significa a irrupção de Alonso Quijano no final da história? A morte do personagem literário. Em suas últimas palavras, não é Dom Quixote quem fala, é Alonso Quijano, outro personagem literário, mas um personagem que não quer fazer literatura, que tem se deixado vencer pela realidade. A atroz condenação de Cervantes: morremos na realidade, na vida, abdicando da literatura.”

7. Sim, eu acredito que o Quixote é, sem a menor dúvida, o melhor livro de todos os tempos. Perdoem-me: eu sou mexicano, escritor, minha língua é o espanhol, minha pátria é minha língua, blá-blá-blá. Ou seja, a única oportunidade que eu tenho de me sentir de primeiro mundo, potência mundial, é falando de Cervantes. Eu sei que estou sendo vaidoso e pretensioso ao dizer que pertenço à tradição literária mais rica do mundo, mas porra, vamos fazer o que se é verdade?

8. Daí eu fui morar em Barcelona, a cidade onde Dom Quixote sofreu a derrota final, na praia da Barceloneta. Escrevi um conto: “Depois de almoçar fui para a praia, fiquei uns quarenta minutos porque ainda está bem frio. Eu estava deitado e a areia se enfiou em meus ouvidos e outra vez pensei em Cervantes, na crueldade de Cervantes. Na condenação de Cervantes. Na tristeza de caminhar pela praia da Barceloneta sabendo que é o lugar que Cervantes escolheu para que Dom Quixote fosse derrotado. Como poderia saber Cervantes que ele ia estragar meus passeios pela praia?”.

9. Depois eu fui morar no Brasil e um dia fui convidado para dar uma palestra sobre literatura mexicana no Colégio Cervantes de São Paulo. Os alunos me entregaram um presentinho: um pesa-papéis de vidro piramidal com a figura do Quixote.

10. Os cinco quilos da edição do Instituto Cervantes do Quixote já foram nas minhas mochilas e malas de Madri pro México, do México para Barcelona, de Barcelona para o Brasil e do Brasil de volta para Barcelona.

É o peso da tradição literária, sim.

Mas eu quero carregar.

Juan Pablo Villalobos

sexta-feira, outubro 28

Bom livro

Um bom livro é a mais pura essência da alma humana


Thomas Carlyle
Muchos libros para elegir (ilustración de Gloria Pizzilli)
Gloria Pizzilli

O melhor fole para crescer o cérebro

 :

Sobre o amor e alguma coisa mais

bibliolectors:
“ La lectura me absorbe, no puedo evitarlo (ilustración de Vin Ganapathy)
”
 Vin Ganapathy
O amor deveria ser como um passatempo domingueiro, um passeio pelo parque, uma troca de sorrisos e beijos miúdos – nada que obrigasse ninguém a nenhum compromisso, a não ser talvez o de um novo encontro no domingo seguinte, desde que, naturalmente, houvesse sol.

***

Aos domingos, se trabalhassem, os poetas deveriam ter licença para falar apenas de flores e bem-te-vis.

***

As falhas bem que poderiam prescindir de nós e cometer-se por si sós.

***

Na estante os livros que mais têm impressões digitais são os romances policiais.

***

Amor? Hahaha. Conte outra.

***

Do amor não ficará um clamor. Talvez só um rumor, um bulício. E o que pensa ser o amor para querer mais do que isso?

***

Me agradaria ter uma carrocinha e ser encarregado de recolher toda noite as estrelas caídas por descuido do céu e levá-las aos orfanatos em que vivem os meninos mais tristes e as meninas mais sonhadoras.

***

Não me acharias tão mofino assim, se conhecesses o menino que há dentro de mim.

***

Em certos mortos é fácil ver que, se não fosse o rigor imposto pelas circunstâncias, explodiriam em gargalhadas ao ouvir, no seu último dia, os elogios que durante a vida toda lhes foram negados.

***

Sobre os túmulos de homens que foram humilhados pelo amor, regados pelo mijo dos cachorros vadios, nascem flores mirradas e doentias, que parecem mocinhas tuberculosas tossindo sob um sol de inverno.

***

Na história de Julieta e de Romeu, só ficou vivo quem não morreu.

***

Pensar é tão cansativo… De que me serve saber por que razão estou vivo, se posso apenas viver?

***

E chega o momento, afinal, em que morrer passa a ser um direito adquirido.

***

Se queres ter paz, não queiras ter nada.

***

Até para não fazer nada é preciso ter alguma persistência.

***

Nunca precisei vender um poema para matar minha fome. Essa é possivelmente a principal causa do meu fracasso.

***

Frases curtas podem significar que a concisão foi respeitada, como deve. Mas podem denunciar também a preguiça de quem escreve.

***

Para ser completo, falta-me tudo.

Raul Drewnick

quinta-feira, outubro 27

Leitura de imperador


Resultado de imagem para leitura em roma antiga
Passei alguns meses de um outono particularmente chuvoso às margens do Alto Danúbio, sem outro companheiro além de um volume de Plutarco recém-aparecido
Marguerite Yourcenar, "Memórias de Adriano"

Os 'livros' de Nino Orlandi





Assim começa o livro...

Resultado de imagem para a casa do silencio
O jantar está servido, Madame. Queira pôr-se à mesa.” Ela não disse nada. Continuava imóvel, apoiada em sua bengala. Fui pegá-la pelo braço, ajudei-a a se sentar. Ela se contentou em resmungar sei lá o quê. Desci para buscar sua bandeja na cozinha, coloquei-a à sua frente. Correu os olhos por ela, sem tocar em nada. Foi quando estendeu o pescoço dizendo alguma coisa por entre os dentes que me dei conta, peguei seu guardanapo, amarrei-o abaixo das suas imensas orelhas, estendendo os braços.

“O que você fez para esta noite?”, ela perguntou. “Vamos ver o que você inventou.”

“Berinjela ao forno”, disse eu. “Foi o que a senhora me pediu ontem.”

“A mesma coisa do almoço?”

Empurrei o prato para diante dela. Ela pegou o garfo, enfiou-o numa berinjela continuando a resmungar. Depois de ter remexido longamente a comida, decidiu-se a comer.

“Aqui está a salada, Madame”, falei e saí. Voltei à cozinha, me servi de uma berinjela, sentei e comecei a comer.

“O sal! Cadê o sal, Recep?”

Subi e vi que o saleiro estava ali, ao alcance de sua mão.

“Está aqui!”

“Que novidade é essa? Por que você vai para dentro enquanto janto?”

Não respondi.

“Eles não vão chegar amanhã?”

“Vão sim, Madame, vão chegar”, falei. “Não vai pôr sal?”

“Não se meta onde não é chamado! Afinal, eles vão chegar amanhã ou não vão?”, disse ela.

“Vão estar aqui por volta do meio-dia”, respondi. “Foi o que disseram no telefone…”

“O que mais tem para comer?”

Levei a metade da berinjela, pus os feijões com cuidado num prato limpo. Quando ela começou a brincar com os feijões fazendo cara de nojo, saí e fui me sentar para comer. Passado um instante, ela me pediu a pimenta-do--reino, mas fingi não ter ouvido. Depois pediu frutas, voltei lá, empurrei a fruteira para diante dela. Seus dedos finos, ossudos, foram e vieram nos pêssegos, lentamente, como uma aranha já sem forças. Por fim se imobilizaram.

“Estão estragados! Onde achou esses pêssegos? Deve ter apanhado tudo do chão, ao pé das árvores.”

“Não estão estragados, Madame”, falei. “Estão bem maduros. São os melhores que consegui achar. Comprei-os no fruteiro. A senhora sabe que não tem mais nenhum pessegueiro por aqui.”

Ela fingiu não ouvir e escolheu um pêssego. Tornei a sair. Mal tive tempo de comer meus feijões:

“Desamarre isto!”, ela gritou. “Recep, onde você se meteu, venha tirar meu guardanapo!”

Fui correndo. Estendi a mão para o guardanapo e percebi que ela tinha deixado no prato metade do pêssego.

“Quer damasco, Madame? Senão a senhora vai me acordar no meio da noite dizendo que está com fome.”

“Muito obrigada!”, disse ela. “Ainda não estou gagá para comer estas porcarias. Tire o guardanapo.”

Levantei-me na ponta dos pés para desatar o nó, ela limpou a boca fazendo uma careta, depois seus lábios se moveram como se ela murmurasse uma prece. Levantou-se.

“Me leve para cima!”

Pôs a mão no meu ombro, fomos para a escada. No nono degrau, paramos para tomar fôlego.

“Arrumou os quartos deles?”, perguntou, ofegante.

“Arrumei.”

“Muito bem, então vamos”, disse ela, apoiando-se ainda mais em mim.

Voltamos a subir.

“Dezenove! Graças a Alá!”, disse ela, e entrou em seu quarto.

“Não se esqueça de acender o abajur”, eu lhe disse. “Vou ao cinema.”

“Ao cinema!”, fez ela. “Um homem da sua idade! Não volte tarde.”

Desci, terminei meu feijão e lavei a louça. Tirei o avental, já estava com a gravata por baixo dele. Só precisei pegar o paletó, conferi se a carteira estava no bolso. Saí.

quarta-feira, outubro 26

Hora de cuidar do 'jardim'

Los libros cobran vida cada vez que se leen (ilustración de Andy Robert Davies)
Andy Robert Davies

Miúdas versus Rapazes

bibliolectors:
“Luna especial, lectura especial (ilustración de Federica Bordoni)
”
 Federica Bordoni
Um dia, num belíssimo filme de James Ivory, ouvi Vanessa Redgrave (já não recordo o nome da sua personagem) dizer que, se as mulheres mandassem no mundo, haveria muito menos guerras porque elas não quereriam que os seus filhos combatessem e fossem mortos. Serão as mulheres diferentes dos homens a esse ponto? Não fui mãe, mas tenho sete sobrinhos, cinco dos quais são raparigas. Observando-os aos sete ao longo do tempo, sou obrigada a concluir que elas foram sempre mais desembaraçadas, mais desenrascadas, mais auto-suficientes, menos dependentes. Souberam inventar formas de fazer dinheiro para poderem viajar, distribuindo panfletos e sentando convidados VIP em estádios de futebol durante o Euro ou estacionando carros em eventos internacionais como o Open de Ténis do Estoril. Eram (e as mais pequenas serão ainda possivelmente) mais senhoras de si, mais autónomas, mais fura-vidas. Li que actualmente há mais mulheres do que homens a entrarem nas nossas universidades; e, quando dão notícias sobre equipas de pesquisa médica e científica por esse mundo fora que descobrem curas e fazem outras conquistas notáveis, não raro estão nelas várias mulheres. Também as estatísticas confirmam que Elas lêem muito mais do que Eles. Um dia destes, li até a estranha notícia de que no Reino Unido os pais gastam menos 25% em livros para os filhos do que para as filhas, porque os rapazes preferem outros brinquedos. Ora, se os rapazes deixarem de ler, cuidem-se: as raparigas vão mesmo tomar conta do mundo…

Fastio !?

"Os livros são maravilhosos meios de transporte para viajar sem sair do lugar." - Hildes Cristina ~ "The books are wonderful means of transport to travel without leaving your seat." - Hildes Cristina:
Às vezes é melhor ler os títulos do que os livros. Passo horas na minha biblioteca lendo só os títulos, enfastiado do material que eles contêm
Autran Dourado

O navegante dos livros

http://sunnydaypublishing.com/books/:

Em Frankfurt, artista pede 100 mil livros para construir templo grego


A ideia é botar de pé um monumento que simbolize os ideais estéticos e políticos da primeira democracia do mundo. A artista argentina Marta Minujín pediu a ajuda de leitores e editores na Feira do Livro de Frankfurt, nesta quinta-feira (20), para reconstruir O Parthenon dos Livros, instalação que montou em Buenos Aires em 1983, durante a ditadura argentina.

A artista quer reunir, como na obra original, cem mil livros proibidos —agora ou no passado. A nova versão do Parthenon será erguida em 2017 durante a Documenta de Kassel, cidade alemã onde os nazistas queimaram 2.000 livros em 1933.

"Parthenon" de 1983 em Buenos Aires

A obra de Minujín foi uma dos símbolos da redemocratização argentina e trazia obras banidas pela junta militar que governava o país. Ela foi inaugurada cinco dias depois das eleições democráticas.

Dessa vez, serão reunidos livros de todo o mundo. A ideia, como na época, é que o público possa pegá-los para si. O que sobrar deve ser doado para bibliotecas.

“[A ditadura na Argentina] foram anos de tristeza, privação de liberdade. Conseguir deixar a instalação de pé foi um milagre, com a ajuda das pessoas consegui 30 mil livros”, relembrou Minujín.

Dois contêiners estão disponíveis na Feira de Frankfurt para receber as doações.

“Nesse novo Parthenon, pensei no mundo em crise, perverso na [política de fronteiras], com os imigrantes. Quero dar representação a todas as vozes em todas as línguas possíveis”, disse a artista.

Ela aproveita a feira para pedir ajuda de editores. Durante a cerimônia, uma mulher, que se apresentou como da editora alemã Suhrkamp, lhe presenteou com cinco livros. “Por favor, peça para sua editora mandar 2.000!”, disse a artista.

Pesquisadores da Universidade de Kassel fizeram uma lista de livros proibidos ou que causaram mal-estar político —relação que vai crescer conforme as pesquisas continuarem.

Há, até agora, um livro brasileiro na lista: “O Alquimista”, de Paulo Coelho, que em 2011 afirmou que seus livros haviam sido proibidos no Irã. Na relação, também estão “O Código Da Vinci”, de Dan Brown; “A Ópera dos Três Vinténs”, de Bertolt Brecht; “Versos Satânicos”, de Salman Rushdie; e “As Vinhas da Ira”, de John Steinbeck, entre outros.
Fonte: Folha de S. Paulo

terça-feira, outubro 25

Vamos ao banho!

Un baño de libros (ilustración de Joost Swarte)
 Joost Swarte

Assim começa o livro...

Resultado de imagem para 28 contos john cheever
Nossa família sempre foi muito unida espiritualmente. Papai morreu afogado num acidente de barco quando éramos pequenos e mamãe costuma dizer que nossas relações familiares possuem um tipo de permanência que jamais voltaremos a encontrar. Embora eu não pense frequentemente na família, quando lembro de meus parentes, da área da costa em que viviam e do sal marinho que faz parte de nosso sangue, fico feliz em saber que sou um Pommeroy — que herdei deles o nariz, a cor da pele e a promessa de longevidade. Não que sejamos uma família de estirpe, porém, quando estamos juntos, nos permitimos a ilusão de que os Pommeroy têm algo de especial. Não digo isso porque me interesse pela história da família ou por dar grande importância a essa sensação de sermos especiais, mas apenas para deixar claro que somos leais uns com os outros a despeito de nossas diferenças e que qualquer ruptura nessa lealdade constitui uma fonte de dor e confusão.

Somos quatro filhos: minha irmã Diana e três homens — Chaddy, Lawrence e eu. Como ocorre com quase todas as famílias depois que os filhos passam dos vinte anos, fomos nos separando por conta dos empregos, dos casamentos e da guerra. Helen e eu agora moramos em Long Island com nossos quatro filhos. Sou professor numa escola secundária e, se já não tenho a pretensão de chegar a diretor, admiro o trabalho que faço. Chaddy, que se deu melhor do que qualquer um de nós, vive em Manhattan com Odette e seus filhos. Mamãe mora na Filadélfia e Diana ficou na França após o divórcio, só voltando aos Estados Unidos no verão para passar um mês em Laud’s Head. Laud’s Head é um local de veraneio numa ilha de Massachusetts. Onde antes tínhamos apenas uma cabana de praia, papai construiu na década de 20 uma casa bem grande no alto de um promontório. Com exceção de Saint-Tropez e de algumas cidadezinhas nos Apeninos,aquele é meu lugar predileto no mundo. Todos nós temos uma parcela da propriedade e contribuímos para sua manutenção.

Nosso irmão mais moço, Lawrence, que é advogado, se empregou numa firma de Cleveland depois da guerra e ficamos quatro anos sem vê-lo. Quando decidiu se mudar para Albany, escreveu a mamãe dizendo que, antes de começar a trabalhar na nova firma, passaria dez dias em Laud’s Head com a esposa e os dois filhos. Sua estada lá coincidiria com a época em que eu havia planejado tirar férias com Helen depois de terminadas as aulas do período de verão. Como Chaddy, Odette e Diana também iam para lá naqueles dias, toda a família estaria reunida. Lawrence é o membro da família com quem todos os outros têm menos em comum. Nunca convivemos muito com ele e suponho que por isso ainda o chamemos de Tifty — apelido que ganhou na infância porque, quando vinha pelo corredor para tomar o café da manhã, seus chinelos faziam um ruído semelhante ao som daquela palavra. Era assim que papai o chamava, e todos passaram a fazer o mesmo. Quando ele cresceu, Diana às vezes o chamava de Menino Jesus e mamãe, frequentemente, de Resmungão. Embora não gostássemos de Lawrence, aguardávamos seu retorno com um misto de apreensão e lealdade, somado à alegria e ao prazer de recuperar um irmão.

'Inimigo' da leitura

Nova versão da Bíblia de Lutero é lançada na Alemanha

Para marcar 500 anos da Reforma Protestante, é lançada edição revisada da Bíblia de Lutero, a quarta ao longo dos séculos. Em entrevista, teólogo explica importância desse texto para a língua alemã, ontem e hoje.


A principal figura da Reforma Protestante também foi um grande artista da palavra. Em 1522, com a idade de 39 anos, ele lançou a primeira edição impressa do Novo Testamento traduzido para o alemão. Em 1534, seguiu-se a versão completa da Bíblia.

Agora, depois de dez anos de preparação e revisão, a última edição da Bíblia de Martinho Lutero em alemão foi lançada ao público – para marcar os 500 anos da Reforma Protestante, que serão celebrados em 2017.

Pela primeira vez, a tradução da Bíblia por Lutero tornou o texto acessível ao alemão comum, ajudando na formação da emergente Reforma. Com seu impressionante estilo linguístico, o texto também ajudou a formar a própria língua alemã, unificando dialetos regionais e apoiando as pessoas da época a desenvolver uma identidade nacional.

Para a recente edição revisada – houve somente quarto ao longo dos séculos – quase metade dos 35.598 versículos traduzidos por Lutero foram alterados, por vezes revertendo a linguagem para o texto original a fim de refletir melhor as palavras do reformador.

domingo, outubro 23

Preparativo para o Halloween

mellific:
“ first year reading list for day 2 of #potterweekprompts! these took so long to letter. but was it totally worth it? no probably not.
”

Biblioteca do Futuro já tem três livros para serem lidos depois de 2014

Em 2014, a artista escocesa Katie Paterson colocou no mundo o projeto Biblioteca do Futuro. O intuito é ousado: reunir cem livros para serem lançados e lidos um século depois de terem sido escritos. Sendo assim, só a partir de 2114 os livros da canadense Margaret Atwood, do britânico David Mitchell e, agora, do islandês Sjón estarão acessíveis para o público.

A cada ano, Katie anuncia um escritor para participar desse desafio contra a temporalidade da escrita, no qual devem escrever uma obra para que encontrem um leitor receptivo no futuro. Atwood e Mitchell já entregaram seus manuscritos, intitulados "Scribbler Moon" e "From Me Flows What You Call Time", respectivamente. Anunciado em outubro deste ano, o islandês Sjón deve entregar seu manuscrito apenas em 2017, quando outro nome será anunciado para o ano seguinte, e assim sucessivamente. Os livros serão deixados em um cofre, em Oslo, até serem “despertados”.

Resultado de imagem para biblioteca de katie paterson
Katie em Nordmarka
Próxima à casa onde está guardado o cofre fica a floresta de Nordmarka, onde foi designado um espaço para o cultivo de árvores; elas irão fornecer o papel para que os livros sejam impressos. O projeto foi encomendado pela Bjørvika Utvikling, empresa responsável por fazer crescer “uma nova cidade dentro da cidade de Oslo”. A ideia da empresa é incentivar a produção da arte em espaços públicos. 

As entregas dos manuscritos contam com uma cerimônia na floresta a cada primavera. Em maio deste ano, a entrega de David Mitchell foi transmitida via streaming na página do projeto no Facebook. Mitchell discursou sobre seu livro e a importância de um projeto como esse, em meio às mil árvores que foram plantadas. Katie convida todos que quiserem a visitar o local e compartilhar sua experiência nas redes sociais.

Além de ser um projeto que visa a ocupação do espaço público com arte, a Biblioteca do Futuro quer garantir aos pessimistas que o livro impresso ainda estará vivo daqui a cem anos; também é uma visão otimista sobre nosso futuro, apesar das catástrofes, guerras e outros conflitos que estão em curso.

sábado, outubro 22

Chuva para ler e sonhar

Día de lluvia, maravilloso para las brujas lectoras… y las no brujas (ilustración de Kye Cheng)
Kye Cheng

O)s tesouros escondidos nas grandes bibliotecas particulares de Curitiba

O ex-presidente do Tribunal de Justiça do Paraná Miguel Kfouri Neto já chegou a trazer da França 33 quilos de livros – pagos em várias prestações – para completar sua coleção particular.

Paulo Venturelli, professor aposentado da Universidade Federal do Paraná, comprou um apartamento que é habitado por 15 mil seres fantásticos: seus livros. Ele faz questão de os separar por país de origem.

O Caderno G visitou estes templos construídos por meio de décadas de investimento e dedicação. Veja a seguir o que guardam em suas estantes e o que motiva os donos de grandes bibliotecas particulares de Curitiba a manter milhares de obras em suas casas.

Paulo Venturelli – Um apartamento só para os livros

“Quando eu era adolescente, eu tinha um professor que dizia: para ser inteligente, é preciso ler um livro por semana”. O conselho dado ao professor aposentado da Universidade Federal do Paraná Paulo Venturelli foi mais do que seguido à risca. Foi necessário para lá de um livro por semana para encher as estantes do apartamento comprado exclusivamente para abrigar sua biblioteca. Hoje já são 15 mil livros de um acervo que continua crescendo.

O primeiro exemplar ele guarda até hoje: Boitempo, de Carlos Drumond de Andrade, adquirido em 1968 com o dinheiro do almoço do dia. “Almoçar eu almoçaria no dia seguinte. Já o livro poderia não estar mais lá”, recorda.

Assim como essa obra de grande valor pessoal, qualquer outra, entre as milhares, pode ser encontrada “no escuro” pelo professor. Ele sabe onde está cada um dos livros, que ficam separados por país: Brasil, Inglaterra, França, Índia, Japão, Turquia e tantos outros. Os títulos, além de literatura, abordam história, política, futebol e tantos outros também. Tem livros que já leu dez, quinze vezes. “Cada livro que leio é uma vida nova, um universo novo. Tenho uma vida que se renova a cada dia sem o peso da mesmice”.

Entre temas atuais e de seu interesse, alguns são apenas resgate das lembranças da adolescência. Da trilogia da autora francesa Raoul de Navery, que havia lido quando estava no colégio interno, faltava o primeiro volume “Sepultada Viva” que finalmente conseguiu em um sebo. Veio com uma dedicatória datada de 1952 de uma madre para uma aluna. Esse é um dos que ainda hesita em reler. Receia que o encanto produzido pela leitura na adolescência não se repita.

Venturelli também é doutor em literatura, membro da Academia Paranaense de Letras e tem cerca de 20 obras publicadas.

Miguel Kfouri Neto – 33 quilos de livros

/ra/pequena/Pub/GP/p4/2016/10/12/CadernoG/Imagens/Cortadas/Biblioteca Miguel04Daniel Castellano-k0TC-U201000404487rsC-1024x683@GP-Web.jpg
Grandes referências do direito nacional e internacional podem ser encontradas na biblioteca do desembargador e ex-presidente do Tribunal de Justiça do Paraná Miguel Kfouri Neto. O acervo foi sendo montado ao longo de mais de 30 anos com clássicos, lançamentos, obras esgotadas, periódicos e tudo o que poderia ser relevante para o estudo do direito. A biblioteca chegou a ter 9 mil exemplares, contando as revistas de jurisprudência, mas hoje tem “apenas” cerca de 3 mil, incluindo outros temas.

Leitor voraz, Kfouri Neto tem formação em letras e foi professor de português. Mas o vício em comprar livros começou depois de ser aprovado no concurso para magistratura, em 1984. Entre as principais aquisições estavam obras usadas como referência em acórdãos dos tribunais ou citações em petições. “Não sossegava enquanto não adquiria tal livro, se já não o tivesse, para conferir a transcrição”, revela.

Também ia colecionando exemplares para utilizar nas aulas de direito processual civil que lecionava, para o mestrado, doutorado e para os três livros que publicou relacionados ao direito médico e da saúde. Esse tema ocupa em torno de 20% do espaço da biblioteca.

A certa altura, quando ainda morava no interior, sua esposa proibiu a entrada de vendedores de livros em sua casa. “Eu tinha que ver os livros na esquina, longe dos olhos dela”, lembra.

Quando veio a Curitiba teve que ir se desfazendo de uns tantos “com dor no coração”, pois a situação ficara insustentável. Hoje eles ainda ocupam mais de um cômodo da casa, além da biblioteca, contrariando a advertência contida no primeiro livro que leu na magistratura: “De regra, nossas casas e apartamentos já não tem lugar para bibliotecas, além disso, a grande biblioteca é um luxo caro e desnecessário” – A Voz da Toga, Eliézer Rosa.

Biblioteca Roberto Campos 

Entrar na sala Roberto Campos, da biblioteca da Universidade Positivo, é como invadir uma parte do universo particular de um dos maiores economistas que o Brasil já teve. Roberto Campos morreu em 2001 e deixou um acervo de mais de 8 mil obras com anotações e dedicatórias que podem ser consultadas pelo público.

Sua vasta coleção de livros foi disputada por várias instituições, sendo, ao final, adquirida pelo Grupo Positivo que não revela o valor pago. O acervo está aberto para consulta pela comunidade em geral, mas não pode ser emprestado.

Admirado pela inteligência e pelo conhecimento na área econômica, Campos foi ministro, embaixador e escritor. Em sua gestão nasceram o Banco Central, o FGTS, a caderneta de poupança. Implementou reformas, elaborou programas de governo, foi também senador, deputado e deixou uma série de outros legados.

Observando as prateleiras, descobrirá seu interesse pelos mais variados assuntos e grande inclinação pelas biografias. A quantidade de dicionários também impressiona. Um deles, o “Novo dicionário da língua portuguesa”, de Jânio Quadros, conserva a dedicatória do autor: “Ao embaixador Roberto Campos, mesmo sabendo que a obra lhe é supérflua”.

As obras de autoria de Campos também estão disponíveis no acervo. O economista Gustavo Franco foi um dos frequentadores assíduos do local, que serviu de fonte de pesquisa para o seu livro “A leis secretas da economia: revisitando Roberto Campos e as leis do Kafka”.

sexta-feira, outubro 21

E acima do Equador...

Caen hojas, caen libros en otoño (ilustración de Andrew Davidson)
 Andrew Davidson

Para variar

Este é um blog que fala sobretudo de livros e de edição, mas, para variar, vou hoje falar-vos de um filme, até porque sei que, ao fazê-lo, não estou a sair da minha zona de conforto. Na verdade, o filme trata de livros… e de edição, claro, e em várias passagens – salvaguardadas as distâncias, bem entendido – recordou-me o meu trabalho quotidiano e algumas das vicissitudes deste belo, mas às vezes tão duro, ofício. Trata-se de Um Editor de Génios, realizado por Michael Grandaje, que conta a história da relação entre Max Perkins (o grande editor da Scribner que deu à estampa autores tão grandes como Hemingway e Scott Fitzgerald) e o escritor Thomas Wolfe (não confundir com o autor de A Fogueira das Vaidades) desde o final dos anos 1920 até à morte deste, em 1938. As duas personagens (papéis desempenhados por grandes actores como Colin Firth e Jude Law) são quase antagónicas, mas criam-se entre ambas laços apertados e até uma certa dependência, uma vez que o escritor é demasiado prolixo e é preciso reduzir milhares de páginas adjectivadas e metaforizadas que escreveu a um volume mais conciso e legível, o que sem o editor não é tarefa fácil. Mas estes laços e estes cortes são apenas uma parte das cisões e das ligações desta história que interessará seguramente a todos os que gostam de livros. A ver, evidentemente.

Manhã de sol

sylvainbuffet:
“Maurice Barraud
”
Maurice Barraud

Balanço anual

Há algum tempo, o relógio do computador surtou e, cada vez que ligo a máquina, aparece o aviso para que eu acerte a data e o horário. Toda vez. Como não sou de me aventurar pelos labirintos da informática (coisa de gerações antigas), já assumi como hábito a chateação de, antes de qualquer coisa, verificar o rodapé da tela e atualizá-lo. É um suplício, quando estou na urgência de uma ideia pronta para ser escrita e preciso esperar o final da operação. Somente raras e boas vezes, o marcador do tempo me concede o benefício de estar em dia, então, posso ingressar sossegada nesse mundo paralelo.

Resultado de imagem para relógio maluco
Na véspera de mais um aniversário, o pensamento brincou que agora chegara minha vez de “configurar o dispositivo de data e hora”. Seria mais ou menos isso, acredito, o momento do balanço anual, de olhar para trás e avaliar tudo o que vivi, realizei, e também olhar adiante, o que desejo para o futuro próximo, o que esperar do futuro remoto, sem esquecer o presente, com as mudanças que, como o tempo, se sucedem sem alarde e continuamente, renovando o eu.

Fascinante é constatar que a vida é professora exemplar, incansável, sempre pronta a nos ensinar algo novo, a todo instante, em qualquer idade. E quero, sinceramente, ser boa aluna. Não pretendo diplomas ou medalhas, apenas conseguir traduzir sua lições da forma mais exata, perceber as entrelinhas, intuir suas mensagens cifradas, já que nem tudo é explícito em suas aulas.

Por fim, quando o relógio zerar, saber que fiz o melhor que pude e partir deixando o mínimo de ressentimento ou decepção entre os que ficarem. E torcer para que eles compreendam que, para mim, viver é tão difícil quanto consertar o cronômetro do computador.

quarta-feira, outubro 19

Mova-se

A literatura da distopia

"Foram necessários romances que mostravam bárbaros regimes totalitários, fábulas com porcos, gangues violentos, controle biológico, uso indiscriminado de drogas e queima de livros para finalmente entendermos como era impraticável o modelo de utopia construído há alguns séculos atrás. Por isso são tão importantes os autores de "1984", "Laranja Mecânica", "Admirável Mundo Novo" e "Farenheit 451".

Como vimos no já publicado A Literatura da Utopia, as tentativas de adequação do presente para alcançar uma sociedade perfeita acabaram por desencadear uma desordem na organização racional do mundo. Muitas vezes, fizeram-nos viver submetidos a valores distorcidos e no risco de uma eterna aceitação de factores hostis que são meio para um fim que parece justificá-los: a perfeição.
Ao perceberem isso, autores como Aldous Huxley e George Orwell resolveram desconstruir os conceitos de utopia existentes. Segundo eles, a moralidade humana não conseguiria seguir uma evolução tão ligeira e, mesmo nos casos em que as sociedades perfeitas são alcançadas, a personalidade corrompida do homem colocaria tudo a perder.

As chamadas distopias podem ser entendidas filologicamente como "utopias negativas". Este neologismo foi cunhado por Gregg Webber e John Stuart Mill num discurso ao Parlamento Britânico em 1868: "É, provavelmente, demasiado elogioso chamar-lhes utópicos; deveriam em vez disso ser chamados dis-tópicos, ou caco-tópicos. O que é comumente chamado utopia é demasiado bom para ser praticável; mas o que eles parecem defender é demasiado mau para ser praticável."

Detalhe de capa de "A revolução dos bichos"
Na literatura, as utopias sempre possuem raízes no presente e são taxadas como o caminho ideal a ser seguido - mesmo que impraticável. Nas distopias, não há qualquer ligação com o presente: partem da utopia já alcançada. Nelas, os problemas actuais seguiram como que camuflados pela perfeição aparente e, a certo momento, eclodem da forma mais bruta. Estes romances geralmente são contados do ponto de vista de uma personagem consciente imersa na estupidez colectiva. São explorados recursos como a coerção física e moral, o uso de drogas e robots e o monopólio do conhecimento, todos agindo de forma directa na contenção socialA actual idolatria ao género literário pode ser explicada pela crescente visibilidade da política de esquerda no âmbito contemporâneo. Vários dos autores desta "escola" foram activistas políticos da oposição e deixaram claros seus fundamentos no pensamento Marxista. George Orwell, por exemplo, conviveu muito tempo com pobres e operários. Apesar de odiar os conflitos entre os partidos de esquerda, dizia-se socialista e simpatizante de partidos anarquistas. Conseguiu se tornar um crítico de sua própria ideologia:as suas magnum opus são 1984 e A Revolução dos Bichos (O Triunfo dos Porcos, em Portugal); na primeira retrata um regime totalitário que, através de constante supervisão e monopólio da História, constrói uma sociedade colectivista auto-punitiva; no segundo, uma sátira directa ao stalinismo mostra que o governo do Estado sempre será susceptível às fraquezas humanas, desmembradas pelo carácter sedutor do poder.

Outros autores também levantaram questões que hoje se mostram mais presentes do que nunca. Aldous Huxley, autor de Admirável Mundo Novo - escrito num período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial -, descreveu um futuro hipotético onde estaríamos aprisionados pela obrigação de bem-estar, seja através da divisão social, do uso indiscriminado de drogas reguladoras ou do controle biológico - uma espécie de eugenia. Isso numa época onde tentativas de clonagem e fertilização in vitro não passavam de experiências fracassadas.

Anthony Burguess, em Laranja Mecânica (obra imortalizada no cinema por Stanley Kubrick, em 1971), via, num futuro indeterminado, que a predisposição humana à violência não acompanharia o ritmo da evolução intelectual, o que resultaria num colapso da sociedade e esdrúxulos e impositivos métodos de contenção psicológica desta característica "primitiva" baseado no Método Ludovico, uma espécie de behaviorismo radical levado ao extremo.

Ray Bradbury, autor de Fahrenheit 451 (adaptado com louvor por François Truffaut, em 1966) formula um futuro onde a principal arma de opressão utilizada pelo Estado é a censura dos livros, o que faz da televisão o único (e manipulado) instrumento de informação e diversão. É um ensaio sóbrio (ainda que fantástico) sobre a censura e os limites entre entretenimento e alienação que meios de comunicação em massa devem respeitar.

Discutir os problemas sociais atuais através de romances satíricos muito bem elaborados foi o recurso que muitos autores utilizaram para chamar a atenção para os problemas que a eterna busca pela sociedade perfeita encara. Os já considerados clássicos da literatura moderna revolucionaram a forma como pensamos, enxergamos e lidamos com o destoamento da utopia para onde a sociedade caminhava. Há quem diga, inclusive, que já estamos inseridos em distopias tais quais nos livros."

Reflexo leitor

bibliolectors:
“Reflejo lector (ilustración de Elsa Jenna)
”
 Elsa Jenna

Exemplo é tudo


sylvainbuffet:
“ Francis Luis Mora
”
Francis Luis Mora
O que estimula a criança a ler é o exemplo. O exemplo estimula a aprender qualquer coisa. Se a criança come de garfo e faca é porque vê os pais comerem assim. Mas se ela mora numa sociedade onde adultos comem com a mão, ela vai comer com a mão. Então, se ela mora numa família ou numa sociedade em que ninguém lê, ela não vai se interessar por leitura, mas se as pessoas em volta dela leem e falam sobre livros, ela vai se interessar, porque ler é uma atividade como outra qualquer 
Ana Maria Machado

domingo, outubro 16

É de pequeno que...

Livro não vale nada

Tenho vergonha do título deste artigo. Por dois motivos. O primeiro é que ele soa como um daqueles textões que os trolls postam somente para chamar a atenção, e que muita gente compartilha com emojis vomitivos, sem ler sequer o lead.

O segundo motivo de eu ter vergonha é… bem… é que é verdade. Livro não vale nada. Pelo menos no Brasil.

Resultado de imagem para Livro esquecido

Quando o PublishNews revelou aqui que os livros da Cosac Naify vão virar aparas (ou papel higiênico) instalou-se o escândalo. “Fariseus!” “Biblioclastas!” e outros adjetivos mais diretos espocaram nas timelines, que acusavam alternadamente o governo, o capitalismo, os comunistas, o funk ou a internet pelo crime de sacrificar esse bem tão raro e precioso… o livro.

Não sei se livro é “precioso”, mas definitivamente não é “raro”. Para demonstrar isso não vou usar os cálculos de Gabriel Zaid em Livros demais (leiam e chorem). No lugar dos números, fiquem com duas cenas que testemunhei em duas décadas nesse mercado das ideias.

Em 2010, estava jantando em Barcelona, depois de ter enfrentado um vulcão islandês e agentes literárias catalãs. Recebi o alerta por SMS: um jornal iria acusar a editora — na qual eu acabara de entrar — de bibliocídio. Aquela editora havia mandado uma carta a todas as livrarias pedindo a quitação dos livros que estavam, há anos, em consignação. Ela oferecia descontos de 75% para acertos. Para os exemplares que, mesmo com esse desconto, não interessassem às livrarias, pedia-se que fossem enviadas as capas rasgadas (ou “cortadas diagonalmente com um estilete”, especificava), jogando fora os livros desencapados. A história já havia inflamado alguns jornalistas mas conseguimos, com franqueza e penitência, diminuir o tom da matéria. Felizmente para nós, o Facebook ainda não tinha tantos grupos de linchadores. Os livros? Viraram aparas.

E porque a editora não pediu simplesmente que fossem devolvidos os exemplares consignados e não vendidos? Porque alguém fez as contas e viu que o valor desses livros não cobriria o frete… ou a estocagem. Outro grande grupo editorial chegou a um impasse parecido. O proprietário do galpão subiu o preço do aluguel e a equipe foi procurar um outro lugar, mais longe e mais barato, para abrigar os encalhes. E aí alguém, insistindo na realidade dos fatos, veio de novo fazer as contas e viu que a liquidez desse estoque não compensava nem uma viagem do caminhão… e os livros viraram aparas.

Há muitas histórias assim, todas podem ser resumidas na piada das pilhas de encalhe como método de suicídio de editores. Mas nem todas essas pilhas são de livros que os leitores não quiseram. Muitas são de livros que sequer chegaram perto do leitor.

Em 2004, estava na Barra Funda, visitando a sede de uma grande rede de livrarias (que já não está entre nós). Fomos para lá tentar convencê-los a aceitar mais livros. Acabamos nos deparando com caixas de nossos títulos, que mandáramos em consignação (frete por nossa conta) havia um ou dois anos. Esses livros jamais tinham saído das caixas; estavam “esgotados”, embora a gente não tivesse vendido nem um quinto da tiragem. Como centenas e centenas de caixas de livros, de várias editoras, naquele labirinto de papelão.

São duas histórias de livros desvalorizados, desgarrados, aparados. Todo mundo que trabalha com isso tem uma penca de histórias dessas para contar, bem como uma penca de “explicações”.

Pode ser “histórico-cultural”: “o Brasil foi o último país a abolir a escravidão e instalar a imprensa. Livro nunca foi 'útil' em uma nação voltada para a exploração de matérias primas e de pessoas”. Tem a “Keynesiana”, que diz que “o governo deveria gastar para que os brasileiros melhorassem nossos vergonhosos índices de leitura”; tem a neoliberal que prega que “o governo provoca um excesso de demanda que desequilibra o mercado”…

Blá…

Blá…

Blá.

Eu não sei explicar e nem me arrisco a apontar uma solução. Mas tenho uma forte impressão de que as poucas iniciativas para combater esse quadro vão acabar agravando a situação. Fala-se até em aumentar o preço dos livros. Seguimos esperando um bom resultado de uma equação ruim, na qual todas as variáveis — editoras, livrarias, autores e leitores — estão no limite.

(O digital — onde não há encalhes nem gargalos de distribuição — seria uma saída, se não fosse encarado com desconfiança ou condescendência. Sem contar que, como lembrou o André Palme, no digital o conteúdo — histórias, ideias — são “impicotáveis”)

Se não mudarmos, bibliocídios como a da Cosac vão se repetir, e se intensificar.

E os livros no Brasil continuarão não valendo nada… enquanto não puderem ser lidos.

Julio Silveira

sábado, outubro 15

Café da manhã

pseudozufall:
“ Books and Tea by pseudozufall
”

Elevar

Professor, “sois o sal da terra e a luz do mundo”.
Sem vós tudo seria baço e a terra escura.
Professor, faze de tua cadeira,
a cátedra de um mestre.
Se souberes elevar teu magistério,
ele te elevará à magnificência.
Tu és um jovem, sê, com o tempo e competência,
um excelente mestre.


Meu jovem Professor, quem mais ensina e quem mais aprende?
O professor ou o aluno?
De quem maior responsabilidade na classe,
do professor ou do aluno?
Professor, sê um mestre. Há uma diferença sutil
entre este e aquele.
Este leciona e vai prestes a outros afazeres.
Aquele mestreia e ajuda seus discípulos.
O professor tem uma tabela a que se apega.
O mestre excede a qualquer tabela e é sempre um mestre.
Feliz é o professor que aprende ensinando.
A criatura humana pode ter qualidades e faculdades.
Podemos aperfeiçoar as duas.
A mais importante faculdade de quem ensina
é a sua ascendência sobre a classe
Ascendência é uma irradiação magnética, dominadora
que se impõe sem palavras ou gestos,
sem criar atritos, ordem e aproveitamento.
É uma força sensível que emana da personalidade
e a faz querida e respeitada, aceita.
Pode ser consciente, pode ser desenvolvida na escola,
no lar, no trabalho e na sociedade.
Um poder condutor sobre o auditório, filhos, dependentes, alunos.
É tranquila e atuante. É um alto comando obscuro
e sempre presente. É a marca dos líderes.

A estrada da vida é uma reta marcada de encruzilhadas.
Caminhos certos e errados, encontros e desencontros
do começo ao fim.
Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.
O melhor professor nem sempre é o de mais saber,
é sim aquele que, modesto, tem a faculdade de transferir
e manter o respeito e a disciplina da classe.
Cora Coralina