terça-feira, outubro 31

Em busca de leitores

A la búsqueda de lectores (ilustración de Vladimir Kush)
Vladimir Kush

Desmoronamento de frases

Comelibros: cada día se desayuna un libro. Le gustan especialmente los de cerditos, caperuzas y cabritillas. (ilustración de Matthieu Maudet)
Trabalho duro e persistente não basta. Você conhece alguma formiga que tenha conseguido o Nobel?

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Viver como se só a literatura importasse é só o que deve importar a quem não escreve só por escrever.

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E se, por acaso, cair bem num feriado o dia do Juízo Final?

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Quando lhe diz o nome, ele espera o mel assentar nos lábios e os lambe, com um vagar que aspira à eternidade.

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Os que dizem que chorar em causa própria é desonroso chorariam por nós?

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O que você sente é que deve continuar escrevendo. Qual é exatamente o motivo você já soube, mas há muito tempo.

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Morrer faz parte do enredo, é fato mais do que fato. Uns morrem no terceiro ato, os outros morrem mais cedo.

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A sinonímia não é, por si, plena e certeira. Fé não parece tão fé se dita de outra maneira.

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Quem cala nem sempre consente. Quem fala nem sempre convence.

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Depois de passar o inverno dentro de um romance de Machado de Assis, a traça, atacada por uma agudíssima melancolia, conseguiu chegar à ensolarada parte da estante reservada aos embustes da autoajuda.

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As musas dos poetas concretistas tinham olhos de gelo e coração de pedra.

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Todas as pessoas, hoje, têm um blog, com exceção das que têm dois ou mais.

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O poeta sempre foi, em mim, uma tentativa de absolver o homem.

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São importantes as rimas, como não? Quanto menos, melhor.

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Como terias tempo para mim? Teu corpo era o mapa de todos os marinheiros.

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Especialistas em mármore, os parnasianos desprezavam os concretistas, “aqueles talhadores de pedra”.

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É muita presunção acharmos que seremos chamados no dia do Juízo Final.

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Teimamos em nos dar tanta atenção quanto aquela que nos daria Deus se estivesse preocupado conosco.

Raul Drewnick

Cidade de leitores

Vivo en una ciudad lectora (ilustración de Sol Díaz)
Sol Díaz

Nem todo conjunto de livros é biblioteca!

É preciso saber direito qual a diferença para fazer valer o direito. Um direito que atende o artigo 13.1 da Convenção Internacional do Direito da Criança, que diz o seguinte: “A criança tem direito à liberdade de expressão.” Este direito compreende a liberdade de procurar, receber e expandir informações e ideias de toda a espécie, sem considerações de fronteiras, sob forma oral, escrita, impressa ou artística ou por qualquer outro meio à sua escolha.

Houve um tempo em que quase nada se falava sobre formação de leitores e bibliotecas. Na passagem de século XX para o XXI, felizmente, o tema começou a marcar presença na agenda do País. Nos primeiros anos timidamente e pouco a pouco foi ganhando mais e mais expressão. Mal saído do ostracismo, não demorou para que o avanço da mídia digital fizesse com que se começasse a duvidar da relevância da… bem, biblioteca.

Escrevi alguns artigos sobre isso. Como se diz, quando não sabemos bem para onde ir, qualquer caminho serve.

Resultado de imagem para livros amontoados
A ausência de compreensão sobre a relação de uma boa biblioteca com a educação do ser humano integral e formação da cidadania faz com que a sociedade não cobre por um direito essencial e considere normal que uma escola, por exemplo, não conte com uma biblioteca, bem como alunos sem leitura de literatura. Talvez por isso 55% das escolas públicas brasileiras (80.173) ainda não têm uma (fonte: Observatório do PNE).

A biblioteca escolar é o principal lugar de acesso aos livros para 64% de crianças e jovens (Retratos da Leitura, 2015). Além disso, uma pesquisa conduzida pelo pesquisador Ricardo Paes de Barros com 53 bibliotecas abertas à comunidade implantadas pelo Instituto Ecofuturo mostra a elevação de 156% do progresso natural de aprovação escolar e redução de 46% na taxa de abandono escolar em regiões que possuem bibliotecas quando comparadas com aquelas que não contam com uma.

A busca pela efetividade deste direito, a universalização de bibliotecas em escolas, é a pauta da Campanha Eu Quero Minha Biblioteca, que pesquisa e divulga informações sobre como a administração pública pode criar e manter política pública de biblioteca nas escolas por meio de recursos públicos destinados à educação e recursos do orçamento dos municípios e Estados.

Leis só saem do papel e os direitos só se efetivam se houver recurso. De outra forma, são só “letra morta”, como se costuma dizer.

A campanha promove o chamamento da sociedade civil para conhecer a existência desses recursos, os caminhos concretos de incidência e a importância e responsabilidade que têm para efetivar leis e direitos pelas mesmas razões: a gestão pública se mobiliza na medida em que grupos organizados de cidadãos atuam e cobram as políticas públicas.

A ação política é a dimensão da ação humana que concretiza nossos sonhos por um mundo melhor aqui e agora.

Segundo censo de 2015 realizado pelo Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, são 6.102 bibliotecas públicas municipais, distritais, estaduais e federais, nos 26 estados e no Distrito Federal. Somos 207,7 milhões de habitantes. Então, numa conta de matemática básica, chegamos a uma biblioteca pública para cada 34 mil habitantes!

Sim, “biblio” significa livros e “teca” significa depósito/guarda. Talvez por isso tantos se enganem tanto considerando Biblioteca conjuntos de livros guardados e trasladados em canoa, moto, táxi, bicicleta, mala, caixa, jeri, carro, ônibus, trem, caminhão, carroça e outros recursos que se movam; ou fixados em pontos de ônibus, açougue, padaria, canto, esquina, espaços em geral. Só que não. São ações importantes para viabilizar acesso gratuito aos livros.

Mas é preciso mais, muito mais. E é importante não confundir essas ações com Bibliotecas Comunitárias, sediadas em diversas localidades Brasil adentro, que configuram ação voluntária da sociedade civil e realizam um trabalho estruturado, primoroso e valioso para a formação leitora e escritora no País. Neste sentido, vale conhecer a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias.

Apesar do paradoxo, é necessário reconhecer que uma biblioteca que, para ser de todos, ignora o esforço que ler exige e concentra-se em fazer fácil e óbvia a leitura não será lugar de encontro com a cultura, a arte e o conhecimento. Não será uma biblioteca. Sei do incômodo que pode trazer tal posicionamento, principalmente porque sugere uma perspectiva excludente e elitista, ainda que não o seja. A inclusão está em a gente ter o poder de dizer, pensar, criar. A exclusão ocorre quando se mantém o mundo – e as pessoas que são nele – na distração, no engodo e na ignorância”, descreve o Prof. Luiz Percival Leme Britto no livro No lugar da Leitura, biblioteca e formação, disponível para download gratuito no site do Movimento por um Brasil Literário.

O desenvolvimento de comportamento leitor depende, certamente, de uma diversidade de fatores, dentre os quais se insere existir sólida política pública de bibliotecas abertas à comunidade, promovendo práticas leitoras dirigidas e diversificadas, planejadas e realizadas por bibliotecários e professores, nas próprias bibliotecas e fora delas; sendo uma biblioteca em escola, deve estar integrada ao projeto político pedagógico da escola.

Bibliotecas onde trabalhem profissionais que reconhecem o valor do texto escrito. Bibliotecas com profissionais que sejam leitores de fato, que apoiem a jornada leitora de seus frequentadores, que ponham leitores em contato com outros leitores, que ofereçam leitura de obras que transcendem o lugar e o senso comum.

Bibliotecas onde circulam leituras que nos instiguem a indagar a vida, que ampliam nossos horizontes de pensamento para muito além das superficialidades que trafegam pelas mídias, sempre tão carregadas de ódio movido a preconceitos.

Bibliotecas empenhadas em ativar pela leitura a razão intelectual e a razão sensível, condição sine qua non para pensarmos e atuarmos em favor da vida digna e de qualidade para todos; que nos alimentem de referências e encantamento para promover o mínimo de dano e o máximo de bem. Porque o melhor lugar do mundo é aqui e agora, no chão que a gente pisa.

Bibliotecas com leituras de qualidade para todos. Bibliotecas à mão cheia, parafraseando Castro Alves: “Oh! Bendito o que semeia / Livros à mão cheia / E manda o povo pensar! O livro, caindo n’alma / É germe – que faz a palma, / É chuva – que faz o mar!”

Até lá não devemos descansar. Até lá e começando agora podemos nos dirigir aos deputados e deputadas, vereadores e vereadoras em quem votamos para fazer incluir Bibliotecas no PPA – Plano Plurianual, que é um instrumento da gestão pública que definirá as prioridades de 2018 até 2021; bem como a LOA – Lei Orçamentária do Município para 2018: ambos estão nas Câmaras Legislativas de estados e municípios para apreciação e validação dos parlamentares até o final deste ano. Saiba mais no vídeo abaixo.

Não abrimos mão do direito, abrimos caminho.

Christine Castilho Fontelles

domingo, outubro 29

Começando o dia

O cálido sol dos anônimos

Recentemente, participei da Festa Literária de Santa Maria Madalena, na Região Serrana fluminense, em plena Mata Atlântica. Tem passarinho de todo tipo, galo cantando ao longe na madrugada, céu estrelado. Festa para ninguém botar defeito, que se realiza pela oitava vez e envolve toda a cidade, de pouco mais de dez mil habitantes.

De início, homenageavam autores já falecidos, como Clarice Lispector. Depois, passaram aos que ainda estamos por aqui, e nos últimos três anos honraram com seu carinho Ferreira Gullar, Antônio Torres e a mim. Meses antes, começam a ler nossos livros. Não só em todas as escolas, envolvendo crianças e adolescentes, mas em clubes de livros e rodas de leitura, com adultos discutindo nossas obras.

Por isso, ao entrar na cidade, todo mundo me conhecia — de leituras e fotos. Eu andava pelas ruas, e moradores vinham me abraçar vestidos como meus personagens. Outros se levantavam das mesinhas diante dos bares e vinham comentar sobre o protagonista ou a situação de um romance. Cardápios de restaurantes davam nomes de meus livros aos pratos — por exemplo, “Aos quatro ventos” virou petisco com pastéis de quatro queijos diversos.
Festa Literária de Santa Maria Madalena (Catarina Lattanzi Cariello) 

Lojas ornamentaram fachadas com temas alusivos a minhas histórias. Na praça principal, cada escola montou uma tenda apresentando trabalhos que as crianças tinham feito sobre minha obra. E tinha barraca de livraria, de artesanato, de gastronomia local. Pousadas cheias. Uma grande movimentação turística, que incorporava shows e concertos, com o luxo de apresentação da Banda Euterpe, que existe há 120 anos.

Tudo feito em mutirão pelo conjunto da população. Com algum apoio do comércio e da prefeitura, sim, mas sem padrinho político nem dependência de leis de patrocínio cultural nem queixas agressivas pela falta de recursos.

Às vezes, nos grandes centros, a gente perde a noção de quanto o Brasil profundo é capaz de fazer, a nos dar alento e vigor. Santa Maria Madalena e sua Flim comprovam isso, mas não estão sozinhas. Em matéria de festas literárias, desde que a Flip em Paraty virou modelo para dezenas de outras pelo Brasil adentro, elas se sucedem.

Não apenas em polos turísticos a revitalizar seus atrativos, como sucedeu em Olinda, Araxá, Poços de Caldas, Cachoeira, São João del Rey e tantos outros lugares. Mas também pela apropriação de uma boa ideia a serviço de comunidades até então carentes de uma atividade agregadora desse tipo — como quando surgiram a Flupp e a Flup Pensa, nas UPPs e periferia do Rio, a partir do empenho de entusiastas como Julio Ludemir e Ecio Salles, em iniciativas já consolidadas, revelando autores de outras vivências, que enriquecem a todos nós. Por vezes, contam com o apoio de meios acadêmicos mais antenados — como a Universidade das Quebradas e do Grande Rio no caso da Flupp.

Ou de Passo Fundo, nas memoráveis Jornadas que reuniam cinco mil pessoas sob uma lona de circo para discutir leitura. Ou de Maringá, onde o efeito dos bons professores transparece nas perguntas da plateia. Ou do Cole, congresso de leitura que reúne anualmente em Campinas alguns milhares de interessados no assunto.

O pessoal do livro é assim mesmo. Gosta de conversar sobre o que lê e lhe desperta entusiasmo. Faz questão de compartilhar com os outros a alegria da leitura. Mas reclama que há três anos o governo não lança edital para atualizar bibliotecas escolares com literatura (e como se levam dois anos para preparar e distribuir as encomendas, serão ao menos cinco anos deixando as crianças sem livros novos).

Os encontros se multiplicam. Em Araxá, em Santarém. Sempre na certeza de que bons livros e bons leitores podem ajudar a sair deste pântano medíocre em que caímos. Mesmo que os patrocínios oficiais não se mantenham da mesma forma.

Às vezes, é uma professora aposentada que desenvolve um projeto pessoal (como a Cris, em Petrópolis), professores inventivos ligados a uma ONG (o caso de Arari, Pindaré Mirim, Vitória do Mearim, Santa Rita, Itapecuru, no Maranhão) ou um livreiro que vira animador cultural — como vi em Ponta Grossa ou em Tangará da Serra, Sinop, Sorriso, Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso. Admiro há anos escolas particulares de excepcional qualidade, que não deixam a peteca cair — como a Projeto (Porto Alegre), a Balão Vermelho (Juiz de Fora), a Miraflores (Niterói).

Já vi escolas públicas se mobilizarem de forma admirável, como a de Guaratiba a congregar pais e vizinhos, a de Itapoã cobrando pedágio dos motoristas para organizar uma feira de livros e levar autores.

Tudo isso dá alento. Sobretudo na escuridão destes dias de indignação cívica, vergonha do balcão de barganhas políticas, descrença em decisões judiciais incoerentes. Em meio à névoa do desânimo, esses anônimos não nos deixam perder a fé no Brasil. São maiores que políticos desonestos e insensatos, sempre a disputar holofotes, mentir sem escrúpulos e encobrir crimes mútuos.

Ana Maria Machado

sábado, outubro 28

O mundo cabe num quarto

Meta de universalizar bibliotecas escolares se torna cada vez mais distante

É de 2010 a chamada lei das bibliotecas escolares (lei nº 12.244), que estabelece a obrigatoriedade de que todas as instituições de ensino públicas e privadas tenham um acervo de pelo menos um livro para cada aluno matriculado até 2020. Faltando pouco mais de dois anos para o término desse prazo, a realidade mostra que ainda estamos longe de alcançar essa meta.

Dados do Censo Escolar 2016 (Inep) mostram que apenas 57% das escolas particulares da Educação Básica contam com uma biblioteca. O quadro é ainda mais grave nas escolas públicas. Apenas 31% tem biblioteca. O mesmo estudo mostrou que em todo o país existem 6 mil 102 bibliotecas públicas.

Uma audiência pública que debateu ontem, dia 24, a universalização das bibliotecas no país deixou claro que os problemas que compõe este desafio vão muito além da criação desses espaços.


Lina Dudaite
Na visão do Conselho Federal de Biblioteconomia, por exemplo, para funcionar de forma adequada, uma biblioteca precisa de condições físicas, material e de pessoal, algo que “não se vê hoje na iniciativa pública e nem na privada”, afirmou Raimundo Martins de Lima, que preside o conselho. Um dos problemas mais contundentes apontado por ele está na falta de concursos públicos para a contratação de bibliotecários em todo o país.

Segundo Maurício Pereira, que é Secretário de Coordenação Técnica da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), a maioria das bibliotecas escolares hoje é cuidada ou por professores ou por outros profissionais adaptados à função de bibliotecário e que, em muitos casos, o espaço físico ainda acaba sendo transformado em sala de aula ou sala de leitura.

Jaqueline Ferreira dos Santos Gomes, coordenadora-geral substituta do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), explicou em que embora tenham ocorrido recentemente muitas mudanças na gestão não só do SNBP, mas da própria Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB), o objetivo maior é de fazer com que as políticas de livro e leitura, e de universalização das bibliotecas, não sirva apenas às bibliotecas públicas.

“A gente não vê a lei de universalização das bibliotecas como algo que beneficie especificamente as bibliotecas públicas. Na verdade, a gente vê como algo que tem de ser feito para um país, para um país que pensa em acabar com a pobreza, acabar com a marginalização, a fome, a miséria, como é o nosso. Fazer com que as pessoas, por meio da educação, por meio do acesso ao livro e à leitura e, a partir disso, capacitando as pessoas que têm condições – os bibliotecários e as pessoas que atuam dentro das bibliotecas e fora delas, especificamente”, disse Jaqueline.

Wilson Troque, coordenador geral dos Programas do Livro (FNDE), apontou problemas que acabam por afastar os estudantes das bibliotecas: restrição de acesso dos alunos por medo de que os livros sejam estragados, baixo interesse dos estudantes pelo acervo disponível, estrutura deficitária e falta de profissionais com dedicação exclusiva às bibliotecas.

O coordenador admitiu que só colocar mais recursos não vai mudar este quadro pois, segundo ele, é preciso ter estratégias que envolvam as pessoas, os profissionais, proporcionando condições também para que as famílias possam estimular suas crianças a adotar o hábito da leitura.

(Fonte: Biblioo)

Hora do café da manhã

Campanha para chamar de sua

O Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) lançou, na última Bienal do Rio, a campanha Leia.Seja, cujo objetivo é valorizar o papel transformador da leitura. A campanha – que teve a participação de grandes nomes da cena cultural brasileira como a cantora Baby do Brasil, o ator Cauã Raymond e o jornalista Pedro Bial – entra agora em uma nova fase. 

A entidade preparou, para comemorar o Dia Nacional do Livro (29/10), um pacote com materiais promocionais que poderá ser utilizado por livrarias, bibliotecas e centro culturais. As peças -- que vão desde marcadores de páginas e cartazes até outdoors -- podem ser solicitadas clicando aqui. Com isso, o SNEL quer pulverizar a campanha. 

“Nosso desejo é que essa ação reverbere pelos meses seguintes, estimulando o hábito da leitura ao redor do país e propondo uma conscientização sobre o seu valor”, explica Marcos da Veiga Pereira, presidente do SNEL. Além disso, empresas e pessoas também podem apoiar a campanha. O SNEL preparou uma série de peças que podem ser utilizadas gratuitamente, como imagens para Facebook e Instagram, outras já no formato para incluir como foto de capa no Facebook e até gif animado. Todo esse material pode ser baixado clicando aqui

quinta-feira, outubro 26

Retro !?

O cão que comeu o livro...: Sou uma leitora vintage! / I'm a vintage reader!

Cinco passos para adquirir o hábito de leitura

Não é todo mundo que tem o hábito de ler um pouco todos os dias, seja um livro impresso ou digital, jornal ou revista, tirar um tempo todos os dias para ler, só traz benefícios. Mas os brasileiros ainda precisam melhorar muito seus hábitos de leitura.

Segundo matéria do Estadão realizada em maio de 2016, cerca de 44% da população brasileira não lê e mesmo com o crescimento no percentual de leitores de 50% em 2011, para 56% em 2015 (pesquisa do Instituto Pró-Livro divulgada em maio de 2016), ainda é baixo o número de leitores no Brasil, comparado a outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Associated Press revelou em 2006, que o número de não leitores era de apenas 27%. Já na França, uma pesquisa de 2005 realizada pelo Instituto Francês de Opinião Pública (IFOP), revelou que somente 19% da população não tinha o hábito de ler.

Mesmo com dados de 10 anos atrás, podemos perceber que países como Estados Unidos e França, leem muito mais que nós brasileiros. Então o que fazer para mudar essa realidade?

1 – Descubra sobre o que você gosta: Descobrir sobre o que você gosta de ler sem ter esse hábito, pode soar meio estranho, mas não se você analisar o que você gosta na vida, em geral. Por exemplo, se você é daqueles que gosta de assistir um bom filme, escolha um livro que tenha sido adaptado para o cinema, existem diversos livros como ‘O Hobbit’, ‘O Regresso’, ‘O iluminado’ entre outros.

2 – Reserve um tempo para a leitura: É certo que é cada vez mais difícil arrumar tempo para novas tarefas, pois já temos os estudos, trabalho, família e ainda o merecido descanso. Então como fazer isso? Procure ler ao menos 15 minutos todos os dias, nos fins de semana, um pouco antes de dormir mas leia, tente conciliar as suas atividades diárias com aqueles minutinhos para o seu livro.

3 – Tenha sempre um livro com você: Mas se você é daqueles que não tem tempo para nada, que o dia precisaria ter mais de 24 horas pra conseguir fazer tudo, calma, você também pode ter um tempo para ler. Sabe àquela hora em que você está no transporte público indo para casa ou para o trabalho, ou chegou mais cedo em um compromisso, pois é, aí está o seu tempo! O bom de carregar um livro com você é que enquanto você espera por alguma coisa, você pode ler. Garanto que a sua espera ou a sua viagem, vai ser bem mais rápida se você estiver na companhia de um livro.

4 – Visite feiras de livros ou bibliotecas: Visitar locais como feiras e bibliotecas, além de te apresentar a diversas obras e gêneros literários, te conecta a pessoas que também gostam de livros ou que estão buscando essa paixão ou hábito.

5 – Não desista e tenha paciência: No início vai parecer chato, difícil mas logo você verá como é maravilhoso ler. Seja paciente com a sua leitura independente do tamanho do livro ou daquela matéria no jornal ou revista que te chamou a atenção, leia com calma. Todo começo é difícil eu sei, mas não desista!

Viu só como é possível começar a ler. Além de dar asas a imaginação, saber sobre o passado, imaginar outros universos e ficar antenado com o que está acontecendo no mundo, a leitura só traz benefícios! Então leia, você verá como é bom!

E você, já leu um pouquinho hoje? Escolha um livro, jornal ou revista e divirta-se!

Bruna Lopes Valente

quarta-feira, outubro 25

Biblioteca à noite

Qué pasa en la biblioteca por la noche? (ilustración de Anna-Maria Jung)
Anna-Maria Jung

A palmeira de Nguézi

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No lugar de Nguézi há uma palmeira sagrada, dizem que nascida antes do mundo. Do colmo pende um único fruto, de aparência estranha e que nunca pode ser olhado. Porque, segundo a lenda, os olhos que ali apontem se enchem de estrelas mais que as que poeiram a própria noite.

A razão dessa palmeira, vertida sobre as águas do rio, se transcreve aqui. Nem tudo se explica, para que se compreenda melhor. Para ver a gente necessita transparência, mas se tudo fosse transparente todos seríamos cegos. Ficará a saber-se: em tempos de apocalipse o histórico se converte em religioso. E vice-versa. A crença da palmeira sagrada nasceu de um facto tropeçando num acontecimento.

Estava o mundo numa tarde, dessas de lamber o tempo. Na varanda se dispunha Tonico Canhoto. Quem o visse parecia ele estava na simples disposição de estar, sereno e demorado em existir. Para o Canhoto era sempre o mesmo: o tempo, nestes dias, está muito depressa. Convém a gente se resguardar.

Mas, por dentro, o nosso varandeante se abatia a abismos. Talvez era a monotonia do campo, esse morre-morre de esperar e ficar à espera. Talvez era esse o motivo de seu esmorecimento.
- “Pai, há-de haver acontecimento, o senhor vai ver.

- “Vocês não entendem, filhos. Eu não careço de acontecimentos, não. Eu pretendo é uma revelação”.
Uma revelação? A outra filha se aproximou e tentou um consolo. E lhe perguntou: já ele olhara quanta árvore, quanta extensão pelos aís foras?

- “Se não vejo? Vejo o mato todo, em volta. Está tudo morto, tudo seco.

- “Engano seu: o mato não está seco. Apenas vazou o verde, apenas engordou o amarelo.

- “Conversa afiada”.

Os filhos desistiram. A Canhoto lhe custava simplesmente existir. Morrer é fácil, difícil é existir-se morto, simplesmente havido, quieto e inestudável. E mais, aliás, menos nada. Tonico ficara assim desde que sua mulher Razia desaparecera, ida sabe-se com quem, desconhece-se para onde. Fora há uns anos, mas a ferida era ainda maior que a cicatriz. Quando sucedeu, nesse tempo em que tudo era tudo, Canhoto anunciou aos numerosos filhos:

- “Vossa mãe, meus filhos. Vossa mãe, ela faleceu”.

Todos sabiam que era mentira. Ela tinha desistido de constar, tentada em mulherar-se em outros lugares. Deixado o marido em órfã viuvez, desconsolado.

Tinha-se passado tempo, os miúdos cresceram, se graúdaram e se graduaram em pais e mães. O que sobrava agora eram netos. Naquela tarde, fazia anos que a avó saíra. Falecera, como dizia o avô Canhoto. A família se juntava, como era costume.

A netaria espalhava algazarras e a alegria barulhava pela varanda. Mas, o velho Tonico Canhoto se debruçava triste sobre a paliçada. Em seu magro corpo já não cabia mais angústia. Os filhos tentaram distrair a tentação dessa tristeza. Em vão. O homem já havia se decidido que a sua vida era sem depois. Nada enfeitava a sua esperança. Todos calaram quando ele anunciou:

- “Vou daqui ao rio”.

Todos lhe adivinharam o intento: ele se iria deixar tombar, encher-se de líquido até se ensopar como se o dele corpo fosse roupa, ido na corrente, nem corpo nem alma.

Ainda o tentaram desvanecer. Mas o velho tinha dado de testa naquela decisão.

E assim se ergueu, perante a numerosa família, todos assistindo o ancião se afastar' converso em bruma. Chegado à margem, levantou os braços e assim, imóvel como pau de vela, as roupas lhe começaram a cair, desabadas por forças nenhumas, só por via de seu magro peso. A sua gente o viu nu, completamente. Constaram, no momento, que seu corpo se mantinha de músculo e lustro, a idade se concentrara apenas em sua cabeça. Ficou um tempo nessa espécie de despedida, Cristo sem crucifixo. Ou simples esquecido talvez do passo próximo?

Nesse entretempo, o lugar se apoclipsou. A terra, em desfecho de estrondos, se estremeceu. Em basaltos e baixos, esguichos de água fervente e fogos de martifício, estrelas rebentavam como borbulhas na superfície do rio. A casa, junto com seu tecto, insubstanciou-se e ruiu, chão no chão. Os familiares todos se sepultaram, sem espirro nem respiro, apagados, apaguados.

Sobrou quem? O velho Canhoto, próprio. Ele vira a terra se rachar por baixo dos pés, as duas metadas se abrirem como lábios. Nessa greta ele se afundou, pronto a ser engolido, trevoso e súbito. Mas no momento em que seu corpo perdia o pé, a terra se volveu a fechar, ajustada ao corpo. Ficou-lhe só a cabeça de fora. Tudo o resto estava encravado em pedra, rocha, raiz, sobra do mundo. Mexer um dedo, dedículo que fosse, lhe era impossível. O velho rodou a cabeça para avistar em volta. Nada, nem rio nem árvore, nem gente. Só chão, poeira, remoinhos de folhas mortas.

- “Deus me proíbe?”

Chorou. Sem tristeza, só para arrefecer o rosto, deixar a carícia da água lhe premiar a boca. O sol nasceu, esmoreceu, se ocasionou. E dia. E noite. E fome. E sede. Já nem lágrima lhe sobrava. O velho Canhoto que sempre fora acusado de não ter essa parte de si vivia agora exclusivamente de sua cabeça. O resto, já nem lhe restava. Todo ele aprendera a ciência de ser raiz, o orgânico sem organismo. De noite, um cacimbito. De dia, as grainhas de uma ventania. Assim ele se mantinha, feito único receptáculo onda a vida ainda se entesourava.

Foi quando, no fundo do sem-fim, uma andorinha riscou o céu. Feita de conta um desenho torto, um rabisco tonto de um menino, no brevíssimo instante do arrependimento e da borracha. A avezinha, transmeteórica, como uma foice negra ceifou os ares. Voava mais rápido que vivia? Estranhamente, a andorinha pousou na cabeça do velho. Fincou as patas, unhando-lhe a testa, sujando-lhe o cabelo.

O passarito piou, rodopiou e, por fim, meteu o bico nos lábios secos do velho. Lhe dava, se imagine, uma naco de água, qualquerzita migalha. O bico beijou o lábio, o lábio bicou o pássaro: dúzias de vezes, repetidas. O velho perguntou, lábios rasos de silêncio:

- “É você, Razia?”

A ave toda a noite debicou o pescoço de Canhoto. Dizem que, desse mesmo pescoço, ascendeu a matéria do colmo, dos cabelos brotou a folhagem, dos olhos nasceu a florescência. Tudo em jeito de árvore, palmeira e sagrada.

segunda-feira, outubro 23

Depois da sesta

Brigit Stern

Assim começa o livro...

Guanabara, pelo que eu sei, é um tipo de embarcação de um mastro só e vela grande, a tal da bujarrona. Mas dizem que os índios antigos chamavam assim isto tudo aqui, toda esta lagoa enorme de água salgada. Guaná-pará, eles diziam.

Guaná é “seio”, “colo”; e pará é “mar”. Então, eles achavam que esse mundão de água era o “seio do mar”, veja você! Ou o seio, a mama, de onde brotava a água do mar.

Mas guaná era uma raça de índio. Devia ser daquelas raças de mulheres de peitos grandes, fartos, capitosos…

Resultado de imagem para Nas águas desta baía há muito tempo: contos da Guanabara/
Pois é, freguês… A Bíblia diz que, assim que acabou de criar o mundo e descansar um sábado inteiro, Deus — que naquele tempo era conhecido como Criador — reuniu seus nove filhos.

Depois de explicar direitinho pra eles como tudo funcionava, mandou cada um numa direção, pra inspecionar e ver se tudo tinha dado certo.

Vindo aqui pra estes lados, freguês, a expedição, depois de atravessar todos aqueles mares, oceanos, rios e montanhas, chegou lá na América do Norte.

Naquele tempo essa travessia era mais fácil, não era como hoje: o Criador tinha feito os continentes bem juntinhos um do outro, exatamente pra isto: pra poder, de vez em quando, mandar alguém ir a cada um deles pra ver se faltava alguma coisa, água, alimento; se alguém precisava de uma ajuda.

Então, da América do Norte, a expedição veio descendo e chegou até aqui. Aliás: aqui, não! Chegou lá! Está vendo? Subiu lá naquela serra mais alta; lá no alto daquela pedra esquisita. E, de lá, eles se embasbacaram com a vista divina, maravilhosa disto tudo aqui.

São mais de cem ilhas, meu senhor, quer ver só? Olha lá!

A da Laje… a de Vilaganhão… a Fiscal… a das Cobras… das Enxadas… de Santa Bárbara… Pombeba… dos Ferreiros… Bem lá em baixo; dá pra enxergar?

Agora, aquelas outras, aqui à esquerda: Bom Jardim… Sapucaia… Bom Jesus… Pinheiro… Pindaí de baixo… Pindaí de cima, também chamada de Ilha do França… Catalão… das Cabras… Baiacu…Fundão… Cambembe Grande e Cambembe Pequeno… Santa Rosa… do Raimundo… Anel… Saravatá…

Lá no fundo, agora: Ilha Seca… Ilha d’Água… Mãe Maria… Palma… Rijo… Boqueirão… Aroeiras…

Vamos agora mais pro meio: Manguinho… Redonda… Braço Forte… as Tapuamas, de fora e de dentro… Jurubaíbas, duas também…

Olha lá: Paquetá… E em volta, a da Pedra Rachada, a do Trinta Réis, as lajes do Machado, do Silva, a do Cabaceiro… É muita ilha, meu senhor!

Tem ainda a do Gonçalo, a de São Roque, a do Brocoió, a das Folhas. A dos Lobos, a do Mestre Rodrigues, a de Pancaraíba… Tem aquelas já quase na barra… E tem também aquelas lá do outro lado, já na Praia Grande… É ilha que não acaba mais, meu amigo! Baía é isto aqui; o resto é onversa.

De forma que o pessoal da expedição ficou de queixo caído. Aí, um deles lá, que era na verdade um espírito de porco, não se conteve e falou:

— Caramba! O Criador começou o mundo foi por aqui.

Só pode ter sido… Depois é que foi fazendo o resto, em volta. Aqui é que é o centro de tudo. Mas a viagem tinha sido longa, muito longa. E no caminho a expedição foi aumentando, claro! Tanto que o chefe, já com muitos mil anos nas costas, tinha netos, bisnetos, tataranetos. E aí começou tudo de novo, a partir do centro destas águas maravilhosas: o neto chamado Irajá seguiu pro leste com seu grupo; o irmão dele, Iguaçu, foi pro norte; uma neta, chamada Magé, foi pra noroeste; a irmã dela, Icaraí, foi pra oeste; todos seguindo os pontos cardeais.

Bem… Eu estou vendendo o peixe conforme aprendi neste mar, nestas areias, nestes portos; o que, aliás, não serviu pra muita coisa. Senão eu — Genésio da Anunciação, seu criado — não estava aqui até hoje, escamando, cortando e limpando corvina, tainha, xerelete, pra vender pro senhor… Eu estava era falando françuá, como falam, aqui, os ricos, as madamas, os doutores, os estudados, não é mesmo?

Como os livros, onde puder

Che Guevara, um leitor compulsivo em plena selva

Ernesto Che Guevara lê enquanto se recupera dos ferimentos na Sierra Maestra, em 1957; lê em seu gabinete no ministério da Indústria cubano e em sua casa de Havana, no início dos anos 1960; com sua segunda mulher, Aleida March, em 1966 na Tanzânia depois do fracasso da ofensiva guerrilheira no Congo; na copa de uma árvore na Bolívia, meses antes de ser capturado e assassinado, em outubro de 1967. As fotografias que integram a mostra Che Leitor na Biblioteca Nacional argentina refletem uma faceta do revolucionário argentino que, apesar de ofuscada pelo homem de ação, esteve presente ao longo de toda sua experiência de vida, desde a infância até os últimos dias.

Nascido em uma família de boa situação financeira, Che aprendeu a ler em casa, graças a sua mãe, já que a asma o impedia de ir à escola. Desde criança foi um leitor voraz, conforme lembra seu irmão Roberto, que conta que passava horas trancado no banheiro para não ser interrompido. Seus primeiros escritores favoritos foram Júlio Verne e Emilio Salgari, autores de romances de aventuras que “já mostravam certo espírito de sair explorando”, diz Emiliano Ruiz Díaz, um dos pesquisadores que organizaram a exposição, inaugurada na terça-feira.

Ernesto ‘Che’ Guevara lendo no Congo em 1965.
A esses romances iniciais logo se somou tudo o que encontrava a seu redor, como os 23 volumes da enciclopédia de História universal que estavam na biblioteca da família, biografias de pensadores e escritores e livros de filosofia e psicanálise citados no Caderno filosófico que começou a escrever na adolescência. A partir de suas viagens pela América Latina incluiu livros sobre os países que conhecia e começou a aproximar-se do marxismo e da teoria econômica. Três das vitrines da mostra são dedicadas a livros fundamentais para Che, entre os quais figuram O Capital, de Karl Marx; o Manual de Economia Política, da Academia de Ciências da URSS; e o Tratado de Economia Marxista, de Ernest Mandel.

“Em Havana, toda quintas-feira, lá pelas 2, 3 da madrugada, ele se reunia com um professor espanhol formado na URSS para ler e discutir esses livros”, conta Santiago Allende, outro dos pesquisadores por trás da exposição. “Às vezes Fidel (Castro) também participava e aconteciam discussões muito fortes. Mais tarde, Che teve suas divergências com o modelo soviético, divergências que o levavam a continuar lendo, a se aprofundar em sua busca”, acrescenta.
Charutos e livros

“Minhas duas fraquezas fundamentais: o tabaco e a leitura”, confessou Che em seu diário do Congo. A figura habitual do leitor sedentário e solitário contrasta com a do guerrilheiro em constante marcha e rodeado de companheiros. Mas nem nos momentos mais difíceis conseguiu abandonar o vício. “A leitura persiste como um resto do passado, em meio à experiência de ação pura, de despojamento e violência, na guerrilha, no campo. Guevara lê no interior da experiência, faz uma pausa”, deixou escrito Ricardo Piglia em sua descrição de Che como O Último Leitor.

Era um leitor compulsivo e metódico. Desde os 17 anos costumava anotar em cadernos os títulos das obras que consultava. Em seu plano de leituras da Bolívia, entre novembro de 1966 e setembro de 1967, anotou 60 títulos, entre eles O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista, de Georg Lukács e História da Revolução Russa I, de Leon Trotski.

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domingo, outubro 22

Quando se acorda...

Companheiros, mesmo fechados

O livro foi minha grande obsessão, e isso desde a infância, como se pudesse adivinhar que só ele poderia minorar minha ignorância, ou quebrar minha solidão.
 seria tão bom se semeassemos livros e deles brotassem frondosas árvores que nos proporcionassem mais livros…
A muita gente parecia excentricidade ou mesmo maluquice, o fato de trazer comigo meus livros, fosse eu para onde fosse. Até mesmo quando ia passar um fim de semana numa fazenda, e sabendo que não poderia ler nem parte de um livro, levava dois ou três... Queria-os comigo, mesmo que fechados.
Eduardo Canabra Barreiros, "Semicírculo"

Biblioteca animal

cheshirelibrary:
“Hope you find a comfy reading spot today.
”

Assim começa o livro...

Aos 15 anos eu tive hepatite. A doença começou no outono e terminou na primavera. Quanto mais frio e escuro o velho ano se tornava, mais fraco eu ficava. Só com o novo ano houve uma melhora. Janeiro foi quente, e minha mãe instalou minha cama na varanda. Eu via o céu, o sol, as nuvens e ouvia as crianças brincando no pátio. Numa tarde de fevereiro ouvi um melro cantando.

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Em meu primeiro passeio andei da Blumenstrasse, na qual morávamos no segundo andar de um prédio imponente construído na virada do século, até a Bahnhofstrasse. Foi ali que eu tinha vomitado, numa segunda-feira de outubro, no caminho da escola para casa. Já havia alguns dias que eu estava fraco, mais fraco do que nunca em minha vida. Cada passo me exigia um grande esforço. Quando subia escadas em casa ou na escola, minhas pernas quase não me aguentavam. Também não queria comer. Mesmo quando me sentava à mesa com fome, logo sentia náuseas. De manhã acordava com a boca seca e com a sensação de que os meus órgãos estavam pesados e fora de lugar. 


Envergonhava-me estar tão fraco. Envergonhei-me especialmente quando vomitei. Isso também nunca havia acontecido comigo. Minha boca se encheu, eu tentei segurar, apertando os lábios, a mão diante da boca, mas tudo saiu por entre os dedos. Então me apoiei no muro de uma casa, olhando o que tinha vomitado a meus pés, e cuspi um líquido claro e pegajoso. 

A mulher que cuidou de mim o fez de um jeito quase bruto. Ela pegou meu braço e me levou pela porta escura da casa até o pátio. Havia varais esticados de janela a janela e roupas penduradas. No pátio armazenava-se madeira; numa oficina aberta, a serra rangia e as farpas voavam. Ao lado da porta para o pátio havia uma torneira. A mulher abriu a torneira, lavou primeiro a minha mão e então jogou no meu rosto a água que tinha mantido nas mãos em concha. Enxuguei o rosto com o lenço.

– Pegue o outro! – Ao lado da torneira estavam dois baldes, ela apanhou um deles e o encheu. Eu apanhei e enchi o outro e a segui pela porta. Ela levantou o braço, a água jorrou na calçada levando o vômito para o ralo. Tirou o balde da minha mão e lançou mais água sobre a calçada.

Ela se endireitou e viu que eu estava chorando.

– Menino – disse admirada –, menino.

Ela me envolveu nos braços. Eu era pouco mais alto do que ela, senti seus seios no meu peito, cheirei na estreiteza do abraço meu hálito ruim e seu suor fresco e não sabia o que devia fazer com os braços. Parei de chorar.

Perguntou-me onde eu morava, pôs os baldes na entrada e me levou para casa. Andou ao meu lado, uma das mãos segurando a minha pasta e a outra sobre o meu braço. A distância da Bahnhofstrasse até a Blumenstrasse não é grande. Ela andava depressa e com uma decisão que me ajudava a manter o passo. À frente de nossa casa despediu-se.

No mesmo dia minha mãe trouxe o médico, que diagnosticou a hepatite. Em algum momento contei à minha mãe sobre a mulher. Não acredito que a teria visitado se não fosse isso. Mas para minha mãe era evidente que eu, logo que pudesse, iria comprar com meu dinheiro um buquê de flores,
apresentar-me e agradecer. Desse modo, fui no fim de fevereiro à Bahnhofstrasse.

sexta-feira, outubro 20

Perfeito para começar o dia

No se puede pedir más: un baño caliente, un café, buena compañía y lectura. Plan perfecto (ilustración de Evdokia Gasumyan)
 Evdokia Gasumyan

Como criar o hábito de ler livros nas crianças

O interesse pela leitura pode ser sugerido à criança de uma forma simples, espontânea e duradoura. Todos sabemos que é extremamente importante que as crianças adquiram o hábito da leitura, mas a grande dificuldade reside na falta de conhecimento de muitos pais em como inserir seu filho neste caminho.

O ato de ler ou simplesmente de folhear um livro tornará crianças mais inteligentes, imaginativas e criativas. E se isso é o que você quer para o seu filho, não perca mais tempo. Comece hoje mesmo a construir esse hábito diário tão enriquecedor para ele e para todos. Comece já a fazer de sua casa uma grande biblioteca.

Me aislo del mundo con la lectura para conectar con otros mundos (ilustración de Maria Espluga Solé)
Maria Espluga Solé

1 – Para começar, é necessário que seu filho te veja, sempre que possível, com um livro na mão. As crianças sentirão mais interesse por ler um livro se vêem que este hábito está presente a sua volta. Lembre-se que as crianças gostam de copiar. Que é sua forma de aprender. Se eles notam que você gosta de ler e que tratam os livros com cuidado e respeito, elas provavelmente, farão o mesmo.

2 – É necessário estar convencido de que a leitura deve ser empregada como uma forma mais de diversão e não como uma obrigação. Os livros não devem introduzidos no cotidiano da criança só quando ela está aprendendo a ler ou somente quando entre na escola. O contato com os livros deve começar bem antes. Eu diria que antes mesmo de começar a gatinhar.

3 – Quanto o bebê consegue se sentar firme no chão ou no berço, ofereça-lhe livros para que os maneje. Existem no mercado, pequenos e curiosos livros feitos com pano e inclusive com material plástico indicados para brincarem durante o banho. Existem também pequenos dicionários para que seu bebê se vá familiarizando com as palavras, as letras, relacionando-as pouco a pouco com a imagem. O segredo nesta idade, é fazer com que o bebê veja o livro como mais um brinquedo, com o qual poderá aprender, crescer, descobrir, criar fantasias, e ouvir muitas histórias interessantes e encantadoras. No princípio, trate de dar preferência aos livros ilustrados, com poucas palavras, e faça com que seu filho o toque, o acaricie, cheire, e tenha todo tipo de contato com ele. Existem livros que contem sons incluídos e também pedaços de lã, e de outros materiais para que os bebês desfrutem também com o tato. Existem livros com cheiros também!

4 – Quando ficam um pouquinho maiores, o ideal é ler em voz alta, seguindo sempre as estórias do livro. Dê importância especial ao tempo que dedica para tomar seus filhos nos braços e compartilhar com eles o prazer de ler um conto, longe das distrações da televisão. Comece com os contos tradicionais, clássicos, mas fundamentalmente escolha livros que agradem a todo mundo. Se um livro é cansativo, esqueça-o e busque outro que seja interessante.

5 – Quando seu filho já está numa idade em que consiga estar mais quieto nos lugares fechados, leve-o para visitar uma biblioteca. A criança, quando se familiariza com os livros, aprende a manuseá-los, está construindo uma amizade, um laço com a leitura. Se sentirá mais próxima ao lugar e desejará voltar muitas vezes para escolher o livro que quiser.

6 – Outra forma de estimular o interesse da criança pelos livros, é converter um livro em um prêmio. Cada vez que tiver que premiar seu filho por algo importante, presenteie um livro sobre o seu assunto favorito.

7 – Quando seu filho já está desfrutando dos livros, participe da leitura. Quando terminar de ler o conto, peça-lhe que lhe conte algo que aconteceu com algum personagem, ou inclusive faça com que seu filho adivinhe o que passará no final. Aproveite para fazer comentários sobre as situações boas e más, e fazer comparações de um pedaço da estória com suas experiências, como “o que você faria no lugar dele?” “Será que isso vai acontecer com a gente algum dia?”.

8 – Assim que sentir que seu filho já se interessa pelas estórias, que se envolve com a trama, e se identifica com os personagens, comece a participar e a imaginar finais diferentes, e a viver várias sensações rindo, emocionando-se, e não deixe de surpreendê-los com novos contos. Dê continuidade a esse costume abastecendo sempre sua casa com livros e revistas.
(Fonte:Guia Infantil)

Onde está aquela frase?

Das aventuras e fascinações

Uma das fascinações que herdei como leitor é daquelas que somente um livro de aventuras poderia trazer. Lembro com clareza dos primeiros contatos com Os meninos da Ilha Perdida, da Coleção Vagalume, lá nos idos de 1980, e alguns anos depois com O Príncipe Invencível, de Virgínia Lefèbvre, o qual não me recordo da editora mas não consigo esquecer da impressionante capa com Alexandre, o Grande sobre um cavalo lutando com um soldado árabe montado num elefante – a ilustração que tomava conta da capa dura era um indisfarçável convite à aventura do texto.

Stop al aburrimiento! Se os ocurre mejor lema para este cartel lector? (ilustración de Jacques Goldstyn)
Jacques Goldstyn
Acreditava, com os anos, que esse gosto se esgotaria com a vida adulta, afinal de aventura bastaria o nosso dia a dia com filhos e compromissos financeiros, ou seja, a cada mês comemorávamos uma vitória na selva do sistema e isso seria mais do que o suficiente. Porém estava absolutamente errado. O gosto por livros de aventura nunca se esgotou, e agora não mais na mente de um menino, mas na de um homem que precisava da criatividade para sobreviver e fazer melhor para sua vida e a da família.

Tenho amigos que dizem que a literatura de ficção não tem função alguma, e isso tem lá sua verdade, mas, a mim, e acredito que para muitos que como eu leram a Coleção Vagalume nos seus tempos de guri, aquela ficção produziu e ainda produz seus bons resultados.

E assim vi que eu poderia ir além, e das páginas de ficção migrei para as de não ficção, que depois aprendi serem fontes de inspiração para muitas outras ficções. Nessa nova rodada de leituras surgiu Joshua Slocum, Ernest Shackleton, John Krakauer, Airton Ortiz, Amyr Klink, Família Schurmann e por aí vai. E, neles, na Família Schurmann, por exemplo, é que aprendi que o clássico Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, veio de Alexander Selkirk, que ficou por quatro anos solitário numa ilha chilena em pleno Pacífico, e que depois veio a receber justamente o nome de Ilha Robinson Crusoé. Não poderia ser mais maravilhosa a descoberta, a ficção e a não ficção se encostando e se confundindo, assim, tão pertinhas.

Sim, o leitor infantojuvenil se transformou no leitor adulto e nele se recriou o desejo de aventuras sem sair das páginas. Ah, claro, fiz das minhas na juventude, e muitas vezes inspirado pelas confusões dos livros.

O que mais motiva, no entanto, é saber que as leituras de aventura também motivaram outros leitores para outros mundos, como o de literatura fantástica e o de ficção científica. Também os quadrinhos dos super-heróis formaram, além de novos e bons leitores adultos, profissionais de criação gráfica e roteiristas de grande qualidade.

E aqui puxo o fecho do valor dessas nossas fascinações, dessas nossas paixões que nos arrebatam ainda na idade tenra, e de como isso é delicado, incrivelmente delicado. Não restrinjamos, gente, em nenhuma hipótese os sonhos das crianças. Se ela sonha em ser astronauta, deixemos com que vá à lua quantas vezes quiser, se ela quer ser médica, deixamos com que faça quantas cirurgias e exames achar necessário, e se ela insiste em ser escritora ou ilustradora de livros, ora, apesar de tudo, ainda há muito para ser feito e todo novo escritor e bom ilustrador será sempre bem-vindo.

quinta-feira, outubro 19

Amanhecer com livro

Coffee Art Coffee Cards and Art for by RoseHillDesignStudio

Dois velhinhos

Ekwall, Knut (1843-1912) Story time
Knut Ekwall,(1843-1912)
Dois pobres inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.

Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.

Junto à porta, no fundo da cama, o outro espiava a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz. Com inveja, perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro:

— Um cachorro ergue a perninha no poste.

Mais tarde:

— Uma menina de vestido branco pulando corda.

Ou ainda:

— Agora é um enterro de luxo.

Sem nada ver, o amigo remordia-se no seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela.

Não dormiu, antegozando a manhã. Bem desconfiava que o outro não revelava tudo.

Cochilou um instante — era dia. Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço: entre os muros em ruína, ali no beco, um monte de lixo.
 Dalton Trevisan

quarta-feira, outubro 18

Primeiros passos

Steve McCurry
Steve McCurry

Uma voz e um canal

@gizemkazancigil| Be Inspirational ❥|Mz. Manerz: Being well dressed is a beautiful form of confidence, happiness & politeness
Editores podem voltar a ser importantes e reassumir seu mais-que-nunca-nunca necessário papel curatorial (o de pinçar e aprimorar, na barafunda catártica da web, o que tiver potencial) quando conseguirmos compor o aparentemente inconciliável e soubermos publicar, com a virulência dos escândalos, o que tiver de fato informação e reflexão originais; quando superarmos fake news com new takes: novas formas de engajar e agarrar os leitores; quando dermos ao público, de forma fácil e inteligente, o que eles conseguem de forma fácil e burra na internet: uma voz e um canal
Julio Silveira, Da utopia caímos na distopia

Começou o dia!

Reading

Edição global

Imagem relacionadaQuando o mundo se tornou uma aldeia global, a edição não teve outro remédio senão globalizar-se também. Para o bem e para o mal. Para o bem porque, como leitores, em lugar de esperarmos anos pela tradução portuguesa de determinado livro (o que acontecia frequentemente quando eu era jovem), hoje o texto chega ao editor português num PDF ou num ficheiro Word pouco depois de terminado pelo autor e pode começar a ser imediatamente traduzido, fazendo com que a edição portuguesa saia praticamente ao mesmo tempo da original. Para o mal porque, em determinados projectos mais escaldantes ou mediáticos (lembro-me, por exemplo, das biografias de Bill Clinton ou de Nelson Mandela que publiquei há uns anos ou da série Millenium, para citar uma obra mais recente), todas as edições têm de sair obrigatoriamente no mesmo dia e é preciso um tour de force diabólico para cumprir os prazos; além disso, toda a correspondência é absolutamente confidencial e há multas sérias para fugas de informação... E, apesar dos cuidados, por vezes há «distracções». E o que aconteceu agora na Holanda é exemplo disso: a tradução neerlandesa de um livro do escritor britânico Philip Pullman que era muito aguardado (pois dava continuidade a uma trilogia que tinha vendido 17,5 milhões de exemplares e fora adaptada ao cinema e à televisão), saiu antes da edição inglesa... O editor foi repreendido e retirou imediatamente os livros do mercado, mas já houve uns quantos sortudos que se chegaram à frente e têm o livro. Antes mesmo do próprio autor. Custos e vantagens da globalização.

segunda-feira, outubro 16

Conectado

Me aislo del mundo con la lectura para conectar con otros mundos (ilustración de Maria Espluga Solé)
Maria Espluga Solé

Um terror de livro

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Era uma vez uma história tão impressionante que quando alguém a lia o livro começava a transpirar pelas folhas. Se o leitor fosse muito bom o livro soltava mesmo algumas pequeninas gotas redondas de sangue
Ana Hatherly, A cidade das palavras

Limbro dos livros esquecidos

O brinquedo do pobre

Quero dar a ideia de uma distração inocente. Há poucas diversões que o sejam!

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Quando sair de manhã com a intenção de vagar pelas estradas, enche o bolso de pequeninas invenções baratas – como o polichinelo simples de uma corda só, os ferreiros que malham a bigorna, o cavaleiro e o cavalo de cauda em forma de apito – e pelos cabarés embaixo das árvores presta com elas homenagem às crianças pobres e desconhecidas que encontrar. Verás aumentarem desmesuradamente os seus olhos.

Primeiro, elas não ousarão tocar em nada, não acreditarão na sua felicidade. Depois, suas mãos agarrarão com vivacidade o presente e elas fugirão como os gatos que, tendo aprendido a desconfiar do homem, vão comer longe o bocado que ganharam.

Numa estrada, por trás das grades de um enorme jardim, no fundo do qual aparecia a brancura de um lindo castelo batido pelo sol, havia uma criança terna e bela, vestida com essas roupas do campo tão cheias de coqueteria.

O luxo, a indolência e o espetáculo habitual da riqueza tornam essas crianças tão bonitas que parecem feitas de outra massa que não a dos filhos da mediocridade ou da pobreza.

Ao lado dela, sobre a grama, um brinquedo esplêndido, tão viçoso quanto o dono, envernizado, dourado, vestido de púrpura, recoberto de plumas e vidrinhos. Mas a criança não ligava para seu brinquedo predileto, antes olhava isto:

Do outro lado da grade, na estrada, entre os cardos e urtigas, estava uma outra criança, suja, mirrada, fuliginosa, um desses párias de fedelhos em que o olho imparcial, se o desbastasse da repugnante pátina da miséria, como o olho do conhecedor adivinha uma pintura ideal por debaixo do verniz de sejeiro, descobriria a beleza.

Através dessas grades simbólicas entre dois mundos, a estrada e o castelo, a criança pobre mostrava à rica o seu brinquedo, que a segundo examinava avidamente, como um objeto raro e desconhecido. Ora, esse brinquedo agastado pelo sujinho, que o sacudia e balançava numa caixa gradeada era um rato vivo! Os pais, certamente por economia, haviam extraído o brinquedo da própria vida.

E as duas crianças riam fraternalmente uma para a outra, com dentes de brancura igual.

Charles Baudelaire

domingo, outubro 15

Solução para os domingos

Tarde de domingo y lectura (ilustración de Snezhana Soosh)
Snezhana Soosh

Margaret Atwood ganha Prêmio da Paz

Os cabelos prateados e o sorriso amistoso são o cartão de visita da escritora canadense Margaret Atwood que, no próximo mês, completa 78 anos. Mas, como são encaracoladas, as madeixas aumentam sua vantagem, revelando uma elegante senhora cheia de estilo, charme, energia e, principalmente, bom humor. Margaret ri de suas próprias piadas, o que as tornam ainda mais engraçadas. Foi o que tornou tão ruidosa a entrevista coletiva da qual participou na manhã de sábado, 14, na Feira do Livro de Frankfurt, que termina no domingo, 15.
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Ela veio à cidade para receber o Prêmio da Paz, conferido anualmente pela Associação de Livreiros Alemães. Desde que um de seus antigos livros, O Conto da Aia (Rocco), publicado em 1985, alcançou um novo e estrondoso vigor mundial ao inspirar a série de sucesso The Handmaid’s Tale, a escritora de olhos azuis voltou a ser uma celebridade. “Foi o primeiro produto em streaming a ganhar um Emmy”, comentou ela, em tom de orgulho, referindo-se ao prêmio americano tradicionalmente dedicado à TV.

Distópico, o romance tornou-se profético depois da eleição de Donald Trump, alçando Margaret a uma posição de profetisa. “O que o torna tão moderno é o retrato do totalitarismo americano”, comentou. De fato, O Conto da Aia é ambientado em uma república em um futuro próximo. Lá, não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes. Tampouco universidades. Extinguiu-se ainda a profissão de advogado porque ninguém tem direito a defesa – quem é considerado criminoso é fuzilado sumariamente e seu corpo é pendurado em praça pública, para que o apodrecimento escancarado sirva como exemplo e intimidação. Atos banais tornaram-se crimes, como cantar qualquer canção que contenha palavras proibidas pelo regime, como “liberdade”. Nesse Estado teocrático e totalitário, as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes. O nome dessa república é Gilead, mas já foi chamada de Estados Unidos da América.

“Quando escrevi essa história, eu vivia em Berlim, nos anos 1980. O muro ainda dividia a cidade e nada indicava alguma mudança – mal sabíamos que, cinco anos depois, ele seria derrubado”, observou. “Hoje, vivemos uma era de mudanças e revoltas. Escreveu-se muito sobre tiranias, autores como Tim Snyder (autor de Tirania: Vinte Lições do Século XX para o Presente, lançado pela Companhia das Letras) também se tornaram proféticos.” Margaret referiu-se tanto à crise espanhola provocada pela tentativa de separação da Catalunha como dos constantes tropeços do governo Trump. Aliás, a fim de explicar o atual sucesso de O Conto da Aia, a autora se lembrou da tentativa do presidente americano e de alguns políticos em controlar os direitos femininos – no romance, as mulheres de Gilead não têm direitos e ainda são divididas em categorias, cada qual com uma função muito específica no Estado. À personagem Offred, por exemplo, coube a categoria de aia, ou seja, sua função resume-se à procriação, uma vez que uma catástrofe nuclear tornou estéril um grande número de pessoas.


“O Canadá se tornou o país onde os americanos buscam refúgio sempre que estão inquietos. É o que acontece com as mulheres hoje”, disse Margaret que, perguntada sobre o cristianismo, lembrou que as religiões de todo tipo tentam impor restrições às mulheres. “O propósito de todas as crenças é a ter sempre muitos seguidores, daí a importância do papel feminino na procriação. Somente os Shakers (seita religiosa fundada no século VIII, na Inglaterra, e famosa por seu comportamento frenético durante os cultos) não tentaram controlar os corpos das mulheres porque adotaram órfãos. Mas eles desapareceram rapidamente, devido à escassez de órfãos”, disse ela, ecoando mais um tema de seu romance.

Margaret foi irônica ao comentar sobre um assunto atual, mas não relacionado ao livro: as acusações de abuso sexual do produtor de Hollywood Harvey Weinstein. “Felizmente ele não tem nada a ver com nossa série”, suspirou. “Situações em que mulheres jovens são exploradas por homens poderosos são infelizmente comuns já faz anos. O que permite esse tipo de abuso são dinheiro, poder e advogados. Ao menos, já estamos vendo mudanças e homens poderosos foram desafiados pelas redes sociais, que permitem a todos se expressarem publicamente, o que dá uma grande ressonância ao seu discurso.”

A escritora pontuou que os acusados de hoje são homens cujo comportamento era considerado, para alguns, “progressivo”. “O fato de serem desmascarados e tirados de seu pedestal é um alerta aos que têm esse tipo de comportamento”, observa. “E isso nos faz pensar que o ser humano é variado e o tratamento que cada um recebe não deve ter nada em comum com a maneira como Weinstein tratou aquelas mulheres.”

Uma das pioneiras no uso das redes sociais – já se divertia com o Twitter em 2008 –, Margaret Atwood elogia a ferramenta como palanque aberto a todas as vozes, mas sabe de seus limites. “As redes sociais têm três aspectos: um positivo, um negativo e um estúpido, que não foi pensado por ninguém pensou. O anonimato do Twitter libera o discurso político, mas também permite comportamentos detestáveis. Quanto ao aspecto estúpido, os robôs que me enviam mensagens sexuais são parte disso.”

Ubiratan Brasil

sábado, outubro 14

Use marcador

um projeto do inglês Philip Bradley, que adaptou antigos pôsteres de guerra para a campanha Save Libraries

Uma casa para livros e gatos

O pedido chegou de um artista, poeta e professor e de uma poetisa e gestora de uma livraria. O casal de Brooklyn, em Nova Iorque, foi até ao atelier de arquitetura BFDO Architects explicar o sonho deles: que a casa onde moravam fosse transformada num espaço cheio de luz e com dois requisitos fundamentais — ser perfeita para receber livros e para acomodar os felinos lá de casa. Assim nasceu a House for Booklovers and Cats — um espaço que faz sonhar quaisquer amantes de gatos e livros.


A sala de estar ganhou uma nova vida, tornou-se um lugar amplo, limitado por prateleiras onde vivem livros e com locais de circulação a alguns metros do chão para os gatos. É que, além de quase todos os felinos adorarem aventurar-se em locais altos, os dois desta casa são tímidos e gostam de ter espaços onde possam ficar longe de visitas menos familiares. No topo das prateleiras, coladas ao tecto, há pequenas portas quase secretas por onde os animais podem passar para ir até aos quartos do segundo andar. A claraboia central leva luz à casa toda, decorada de forma minimal. Aqui, humanos e felinos podem ser felizes.
(Fonte: Público)

Começando o dia

Assim começa o livro...

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Todo mundo quer ser dono do fim do mundo.

Foi o que meu pai me disse, junto às janelas arredondadas de seu escritório em Nova York — gestão de recursos privados, dynasty trusts, mercados emergentes. Estávamos, coisa rara, compartilhando um momento no tempo, um momento contemplativo, tornado completo pelos óculos escuros clássicos de meu pai, que traziam a noite para dentro da sala. Eu examinava os quadros nas paredes, obras de diferentes graus de abstração, e comecei a me dar conta de que o silêncio prolongado que se seguiu a seu comentário não pertencia a ele nem a mim. Pensei na esposa dele, a segunda, a arqueóloga, cuja mente e corpo depauperado em breve haveriam de se dissipar, seguindo um roteiro previsível, no vazio.

Aquele momento me voltou à lembrança alguns meses depois, do outro lado do mundo. Cinto de segurança afivelado, eu estava no banco de trás de um carro blindado, um hatch com vidro fumê nas janelas laterais, cego dos dois lados. O motorista, separado do banco de trás por uma divisória, usava uma camisa de time de futebol e calças de moletom com um volume no quadril que indicava a presença de uma arma. Depois de uma hora de viagem por estradas esburacadas, ele parou o carro e disse algo para o dispositivo preso em sua lapela. Então girou a cabeça quarenta e cinco graus em direção ao banco do carona. Concluí que era hora de soltar o cinto de segurança e saltar.

Aquela viagem de carro era a última etapa de uma maratona intercontinental, e me afastei do veículo e fiquei parado por algum tempo, entorpecido pelo calor, carregando minha mala e sentindo meu corpo relaxar. Ouvi o motor dar a partida e me virei para o carro. Ele estava voltando para a pista de pouso particular, e era a única coisa a se mover ao longe, que em breve haveria de sumir na paisagem ou na penumbra crescente ou no horizonte puro e simples.