terça-feira, maio 2

'As pessoas têm o controle de sua vida quando leem'

huariqueje:
“  Felicia - Henry Lamb , 1947
British, 1883–1960
Oil on canvas, 61.5 x 51 cm.
”
Henry Lamb 
Quando os filhos de Rana Dajani, 48, eram crianças, a Jordânia era um país com poucas bibliotecas, onde cada cidadão lia, em média, meia página de livro por ano, se não fosse obrigado a fazer isso na escola ou no trabalho. Foi nesse contexto que a bióloga e professora da Universidade de Hashemite, em Zarqa, decidiu que leria em voz alta não apenas para seus meninos, mas para todos os outros. O projeto era que cada bairro tivesse, ao menos, uma biblioteca. Rana fez a primeira roda de leitura em uma mesquita, com livros comprados com desconto e dinheiro de doações. Também foram doadas as fantasias e brinquedos que ela usou para contar três histórias a 25 crianças. Oito anos depois, o programa We Love Reading (Nós Amamos Ler) deixou de ser a ideia de uma pessoa para se tornar um movimento social, premiado diversas vezes e presente em 31 países, dos seus vizinhos, no Oriente Médio, aos nossos vizinhos, na Argentina. Já são 500 “bibliotecas vivas”, como a ativista define a estrutura simples em torno da qual voluntários, chamados de embaixadores, leem para crianças, incluindo as que vivem em campos de refugiados, sejam os sírios, na Jordânia, ou os sul-sudaneses, somalis e eriteus, na Etiópia. Encontramos Rana em março, no Dart Center, núcleo de pesquisa da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque, que estuda a relação entre jornalismo e trauma. Lá, a professora apresentou o WLR a 45 jornalistas de 26 países, em seminário que discutiu a primeira infância como base do desenvolvimento humano. Estendemos nosso encontro por uma troca de e-mails e o resultado é esta entrevista, na qual ela fala à Muito também sobre a situação de crianças sírias no Brasil, para onde pretende expandir seu projeto. Nas escolas brasileiras, meninos fugidos da guerra têm sido, equivocadamente, diagnosticados com autismo. 

Em suas pesquisas, a senhora observou que, na Jordânia, as crianças não liam por prazer, mas porque recebiam essa demanda da escola ou por motivos religiosos. Como chegou a essas informações?


Eu tive acesso a estudos locais, de 2005, nos quais o número de livros lidos por prazer e não por obrigação era metade de uma página por ano por pessoa. Um dado mais recente, de 2016, do Índice Árabe de Conhecimento, mostra que a média de leitura pela mesma razão nos 22 países árabes passou a ser de nove livros por ano por pessoa. Esse índice, resultado da parceria entre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Fundação Mohammed Bin Rashid Al Maktoum, foi obtido a partir de entrevistas com 145 mil pessoas e enfatiza a leitura como ferramenta básica na aquisição, troca e desenvolvimento do conhecimento.

Como superar o desafio de engajar crianças na leitura se os pais e outros adultos responsáveis por elas não têm esse hábito?


Nós treinamos adultos para ler em voz alta para as crianças. Cada um volta para a sua comunidade e começa esse trabalho com os meninos da vizinhança. Alguns dos adultos que treinamos são pais das crianças que participam das rodas de leitura. Isso, aliás, garante que toda a família se envolva. Todos apoiam os leitores quando eles começam a montar as próprias bibliotecas. Por isso, o impacto do We Love Reading não é só na criança ou no adulto, mas nas famílias e nas comunidades.

No que o recurso de ler em voz alta se diferencia de outras abordagens de estímulo à leitura?


Ler dessa forma é dar vida às palavras pela voz do leitor. A criança também estabelece uma conexão entre a voz do leitor e o texto, como uma fonte de prazer e diversão.

A senhora, que é cientista, decidiu implementar este projeto a partir de uma necessidade que sentiu como mãe, de ter mais bibliotecas na Jordânia, dada a ausência desses equipamentos culturais no país. Como o projeto evoluiu a partir desse ponto?

Eu percebi que ler por prazer era muito importante e descobri que, para estimular o gosto pela leitura, as pessoas precisam ler em voz alta para as suas crianças. Tenho quatro filhos, hoje já crescidos, e sempre li para eles. Mas passei a sentir responsabilidade em relação aos outros. Foi assim que comecei esse programa. Como muçulmana, sou responsável pela minha comunidade. O profeta Muhammad disse: “Todo mundo é um guardião”. Passei a ler em voz alta para todas as crianças, não só as minhas. Fiz isso por três anos. Então, um amigo me falou sobre um prêmio da Organização Synergos, para empreendedores sociais árabes. Eu me inscrevi e fui premiada. Usei esse dinheiro e reconhecimento para criar o We Love Reading.

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