domingo, julho 23

Inelda Marcos dos sapatos

Faz tempo que ganhei o apelido de Imelda Marcos dos sapatos. Tenho pares suficientes para várias encarnações. Uma bota de cano curto em couro greasy, um sapato de fivela, um de uso industrial, uma botina com elásticos e por aí vai, sem falar dos tênis. O mais antigo de todos é um Oxford com mais de 20 anos de convivência.

Comprei todos em viagens que fiz pra fora do país porque aqui o valor dos sapatos, de boa cêpa, está cada vez mais impraticável. Outro dia vendo uma foto do Alckmin engraxando seus Vulcabrás notei que esta é a única coisa que temos em comum. Faço o mesmo com os meus numa relativa frequência.

Durante as últimas férias aproveitei para cuidar dos meus velhos e queridos pisantes. Limpei, hidratei o couro como pude, fiz assepsia nos solados. Mas o Oxford estava em péssimo estado. Pelo uso, craquelara na parte de cima. Levei a um sapateiro no meu bairro que elogiou a sua qualidade e prometeu deixá-lo zero quilômetro. De fato o fez, mas para tirar o defeito envernizou-o. A sensação que eu tinha ao andar com ele na rua era a de que tinha virado um palhaço, tamanho brilho vindo dos pés.

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Não podia desistir daquele amigo de tantas trincheiras divididas. Trouxe-o para Ribeirão Preto, onde vim visitar a família. Vendo minha melancolia, uma sobrinha me indicou uma pequena sapataria num bairro periférico da cidade. Lá fui eu para uma última tentativa de salvar meu puro látex.

Eram 18h50. O sapateiro, um senhor negro como hulha, mirou o calçado com admiração. Disse-me que a loja fechava às 19 horas, mas que ia tentar desenvernivizá-lo. Entretanto, não prometia nada, devido à idade do paciente.

Sai para um café com o coração na mão. Lembrei-me de todos os lugares que aquele solado pisara comigo. Os países, os escritórios, as quebradas, os bares, as calçadas, os restaurantes. Das vezes em que sai de uma casa e o coloquei no meio dos meus pertences de qualquer jeito.

Em meia hora voltava ao estabelecimento. O branco dos dentes do sapateiro contrastou com seu rosto e um pé do companheiro que trazia nas mãos.

– Óia aí, fio, deu certo! – informou ele, com alegria.

O velho Oxford estava como novo, fosco e tinindo. E parecia também sorrir pra mim. Certas coisas materiais tem um pé na metafísica.

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