terça-feira, julho 25

Recado a uma mulher amada

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Pierre-Auguste Renoir
Mulher, eu fumava e hoje não fumo mais. Eu fumava muito. Tanto que nunca vi ninguém fumar. Eu gostava de fumar. Sentia com intensidade o prazer de fumar. Fumava dormindo. Sentava na cama e acendia o cigarro. E não tinha conhecimento que estava fumando. Fumava enquanto comia. Você já viu alguém fumando durante o almoço ou o jantar? Pois eu fumava. Comia e fumava. Na minha mesa havia sempre os pratos e um cinzeiro. Todo mundo tem uma mania. Eu tinha a mania do cigarro. Em minha casa ainda existe a cadeira de fumar. É uma cadeira onde eu ficava por longo tempo esquecido de tudo e fumando. Ficava recostado, quieto, olhando a fumaça e não pensando em nada além do prazer que estava sentindo. Às vezes, eu atrasava a hora de comprar um novo maço só para sentir ainda mais a agradável sensação do retorno do cigarro.

Eu fumava muito, mulher. Fumava como nunca vi ninguém fumar. Mas um dia deixei. Deixei de uma vez. Não foi à noite, nem pela manhã. Foi assim, no meio do dia, durante o trabalho. Deixei de uma vez. Estava com um maço no bolso, na hora em que disse “vou deixar de fumar”.

Deixei de fumar e aí? Aí, mulher, perdi por algum tempo a vontade de viver. Para que viver se não podia fumar? Para que acordar de manhã se não podia ter um cigarro na mão? Não almoçava, não jantava. Para quê? Antes eu fumava enquanto comia. Como conseguir então comer se não tinha junto o cigarro? E durante um certo período não fiz mais nada, nada. Apenas pensei na falta do cigarro. Como conviver com os outros se eles estavam fumando e eu não podia? Como assistir a um jogo e ver todas aquelas pessoas com cigarro e eu sem ter o meu? Eu não ia a lugar nenhum. E emagreci dez quilos. Sabe o que é perder dez quilos por falta de cigarro? Pois eu perdi.

Mas isto já passou. Hoje sinto apenas a lembrança um pouco doída do prazer que o cigarro me dava.

E agora, preste atenção: hoje completa vinte e três dias que nós não nos vemos. E eu gosto tanto de você. Eu lhe quero tanto. Sua falta me dá um vazio tão grande que se eu pudesse escolher entre passar por tudo o que passei quando deixei de fumar, e ficar sem a sua presença, eu deixaria uma outra vez de fumar. Deixaria novamente uma, duas, dez vezes, mas não ficaria sem você. Não ficaria nunca um minuto. Não ficaria de modo nenhum.
Oswaldo França Júnior (1936 - 1989)

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