quinta-feira, maio 21

O que ando a ler nesta quarentena

A quarentena já vai longa e por isso mesmo a cabeça anda cada vez mais dispersa. “Numa altura como esta não consegues estar completamente focado”, garante à VISÃO Sandro William Junqueira. “A saúde e o perigo, as contas e o futuro, tudo rouba muita energia”, acrescenta. E o livro, companhia de todas as horas, resiste com dificuldade a esta dispersão. Salvam-se as noites, para durante o dia dar prioridade a trabalhos em curso, embora suspensos, como o projeto K Cena, que coordena no D. Maria II.

Enquanto o futuro não descose as incertezas, o teatro só existe na leitura. Sandro William Junqueira tem aproveitado a quarentena para avançar com um dos seus rituais anuais: ler a obra dramatúrgica de Anton Tchékov. “É uma espécie de higienização mental, um recarregar de baterias”, garante. Entre mãos tem Platónov, a primeira peça do escritor russo, que só postumamente foi revelada e publicada. Seguir-se-ão outras, em espanto e júbilo sempre renovados.


A releitura, aliás, é um hábito, uma forma de conviver em permanência com os seus autores de eleição. Não resistiu à tentação de ir buscar à estante "Vozes de Chernobyl", da bielorrussa Svetlana Alexievich. Também hoje em dia o perigo é invisível, um vírus que se espalha sem que ninguém dê por ele, como foi outrora, na Ucrânia, com a explosão do reator nuclear.

“É um sentimento muito ambivalente ler livros que de certa forma abordam cenários semelhantes ao que estamos a viver, queremos e não queremos, atrai-nos e afasta-nos”, afirma o autor de "Quando as Girafas Baixam o Pescoço". Na dúvida, tem revisto os sublinhados do livro da Prémio Nobel de Literatura de 2015, tomando-os como guia para os dias correntes. "A Peste", de Albert Camus, outro clássico das pandemias literárias (além de um dos grandes romances da literatura mundial), ainda está fresco na cabeça, pois releu-o há pouco tempo.

Nas primeiras páginas está, por fim, A Única História, de Julian Barnes, autor que tem vindo a acompanhar com muito prazer e de cujo percurso destaca "O Ruído do Tempo" e "Os Níveis da Vida". Nele se defende a tese de que por mais experiências que tenhamos na vida, dela apenas tiraremos uma única história, aquela que contamos repetidamente aos outros. Para muitos, no futuro, talvez essa história venha a ser aquela que todos, juntos e separados, estamos a ler e a viver na primeira pessoa.

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