terça-feira, junho 10

Lição no sebo


No fundo da loja, cercado por livros para marcar, o livreiro até pode parecer mais um comerciante. O comércio só existe ali nos momentos de compra e venda. De resto, há muita conversa mesmo que os fregueses não ouçam. É que num sebo o alfarrabista bem pode conversar com o livro como se falasse com seus botões. Há ali lições, e tantas, sem conta mesmo.
Na montanha de livros, surgem os volumes do escritor que marcou a vida pelos diários. Registrou, por dias e dias, o mundo passando pela janela. Talvez o dono dos livros tenha esgotado sua cota de paciência de ler sobre tanta vida vista através de óculos. Preferiu arejar sua biblioteca. Limpou os tijolaços, que já pesavam só estarem enfileirados nas estantes. Selecionou muito e criou um espaço, onde seus olhos circulam mais à vontade e descobriu espaço para colocar livros de menor peso e muito mais inteligência.
A montoeira de livros também pode ter sido enviada pela viúva ou o parente que ficou encarregado de despachar o monte de “papel velho”. Nome famoso na capa, o despachante da tralha bem que pensou em um certo lucro com a fama de um e a riqueza da livraria do parente. Errou nos dois. A fama espalhou muitos livros vendidos a tostões e o leitor era rico só quando investia em livro.
O livreiro bem sabe que não adianta escrever tanto. Acaba tudo vendido por uns trocados ou comido por uma trituradora de papel e pela traças. O livro chega até mesmo a parecer com o próprio homem. De que adianta a exibição de cultura, ou o esbanjamento de cuidado editorial, o que o leitor quer mesmo é descobrir o autor mesmo que seja num folheto. Nisso o livreiro está sempre de olho. Põe calhamaços a um tostão furado, e quer fortunas por um papelucho.
(Extraído de "0 velho livreiro", coluna no extinto Leitores&Livros)           

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