domingo, julho 13

Chega a hora de ler sem relógio

No Verão, somos mais indulgentes, menos atentos. É a hora de ler sem relógio
As leituras de Verão são diferentes das leituras de Inverno, como as do dia são das que fazemos à noite. Algo no ar e a luz que nos rodeia afeta o texto e sua compreensão. E todo leitor sabe que não o mesmo ler uma novela que nos deleita estendido na grama, ao sol, que lê-la aconchegado sob um cobertor na penumbra de um quarto de inverno. No Verão, a relação com um livro se faz íntima. Tátil, carinhosa, as páginas se contagiam de humidade dos dedos, adquirem o odor do corpo, a textura da pela humana. Ao contrário, sob um céu cinzento, um leitor é mais severo, recatado: a leitura se faz lenta, respeitosa, reflexiva. Até a má literatura muda com as estações: No Verão, somos mais indulgentes, menos atentos, e, enquanto que no Inverno nos mostraríamos implacáveis com um livro que começa “Jacques Saunière, o famoso conservador, caminha com dificuldade pelos corredores do Museu do Louvre”, envolvidos pelo calor e contentes como lagartos, continuamos lendo, demasiadamente letárgicos para determo-nos nas assombrosas faltas gramaticais e nas imbecilidades da história.

Pouco sabemos das leituras estivais de nossos antepassados. Uma tarde de Verão, Sócrates propôs a Fedro que fossem sentar-se à sombra de um plátano de onde o jovem leria o discurso de um tal Licio, do qual Fedro havia falado com entusiasmo, mas talvez essa leitura singular não seja um exemplo fidefigno das preferências de Verão do filósofo. Três séculos mais tarde, Cícero escreve a seu amigo Ático que, mesmo que este encontre um amante por mais apaixonado que seja, não lhe promete sua biblioteca, pois está destinada a ninguém mais do que ao próprio Cícero. Por “biblioteca”, dizem os classicistas, Cícero entendia “coleção de obras gregas” que o escritor romano lia durante os verões, em seu projetado retiro na vila de Lácio. 
Leia mais o artigo de Alberto Manguel, Llega la hora de leer sin reloj

Talvez não sejam os próprio livros que possuam qualidades próprias a uma atmosfera estival, ou uma atmosfera qualquer. Somos nós, leitores, que transformamos o livro segundo nossas circunstâncias e desejos, fazendo do “Dom Quixote” ou de “Viagem ao Centro da Terra” um livro de viagens, uma crônica de aventuras, uma novela psicológica, uma história de violência ou de humor

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