quarta-feira, fevereiro 25

Livros vendidos como heroína

Cabrera Infante na biblioteca de sua casa
Os livros do autor mais importante de Cuba, Guillermo Cabrera Infante, são vendidos de maneira clandestina na feira do livro de Havana. “Tenho algo bem precioso do Mestre de Gibara”, anuncia em voz baixa um homem alto e bem vestido.

Esta semana funciona em Cuba uma feira de livros que tem como sede La Cabaña, uma antiga fortaleza militar com mais parentesco com a repressão e a morte que com a poesia e a literatura: ali instalou seu quartel general Ernesto Che Guevara em janeiro de 1959. Por esses dias, ali se vendem livros e as pessoas buscam algo que ler entre os estandes onde se apresentam as joias das letras as antologias de discursos de Fidel Castro e de Hugo Chávez, e recorrem com desesperança aos locais onde se apresentam peças que aplaudem ou silenciam o que passa na vida.

O mais curioso da feira de Havana é que os livros do autor mais importante do país têm que ser vendidos de maneira clandestina. Faz isso, por exemplo, um homem alto e bem vestido que se move entre os grupos eventuais de leitores e diz em voz baixa: “Tenho algo a bom preco do Mestre de Gibara”.
Não se fala do escritor. Mas se refere nada mais nada menos do que ao homem da vila da zona oriental de Cuba, onde nasceu, na primavera de 1929, Guillermo Cabrera Infante (1929-2005), Prêmio Cervantes de 1997 e fundador, com sua geografia da noite havanense, de um país mais adorado e esplendoroso que o que dirigem os que o proíbem.

O escritor completa nesta semana sua primeira década de imortalidade verdadeira e nesse tempo foram publicados quatro livros que redimensionam sua obra e afirmam sua lenda de rebeldia pessoal. Aí estão nas mãos dos leitores da Espanha e da América Latina os novos títulos publicados pela Galaxia Gutenberg: “A ninfa inconstante”, “Corpos divinos”, “Mapa desenhado por um espião” e o primeiro tomo, dedicado a sua crítica de cinema, de suas Obras Completas.

Assim começa o livro

O passado é um fantasma que não é preciso convocar com médiuns ou invocar com abra-essa-obra. É na realidade da recordação um ravenant total. Não é preciso pôr as mãos em cima da mesa, de palmas para baixo, ou responder aos três toques rituais ou perguntar «Quem vem lá?». O espírito do passado está sempre a vir. Um copo de água e uma flor amarela chegam. Não é necessário repetir frases encantatórias ou cast a spell: todos os mortos estão aqui, vivos, exibidos por trás de uma janela de vidro preto, de uma câmara escura, de uma obra de artifício. Os entes passados estão vivos porque para nós não morreram. Estamos vivos porque eles não morrem. Nós somos os mortos vivos
A Ninfa Inconstante, Prólogo

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