domingo, fevereiro 22

Onde estão as fadas


Eu ainda não sabia ler, mas já era bastante esnobe para exigir os meus livros. Meu avô foi ao patife de seu editor e conseguiu de presente “Les Contes” do poeta Maurice Bouchor, narrativas extraídas do folclore e adaptadas ao gosto da infância por um homem que conservava, dizia ele, olhos de criança. Eu quis começar na mesma hora as cerimônias de apropriação. Peguei os dois volumezinhos, cheirei-os, apalpei-os, abri-os negligentemente na "página certa", fazendo-os estalar. Debalde: eu não tinha a sensação de possuí-los. Tentei sem maior êxito tratá-los como bonecas, acalentá-los, beijá-los, surrá-los. Quase em lágrimas, acabei por depô-los sobre os joelhos de minha mãe. Ela levantou os olhos de seu trabalho: "O que queres que eu te leia, querido? As Fadas?" Perguntei incrédulo: "As Fadas estão aí dentro?"
Jean-Paul Sartre (1905-1980) 

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