quarta-feira, abril 1

'A internet pode tomar o lugar do mau jornalismo'

Em novo romance, filólogo italiano mergulha no mundo da "máquina de lama" das notícias
Umberto Eco tem na entrada de sua casa em Milão, antes de sua montanha de livros, o jornal de seu povoado (Alessandria, no Piemonte), que recebe diariamente. Quando pedimos fotos de sua juventude foi a um computador, que é o centro borgiano de seu Alephparticular, seu escritório, e encontrou as fotos que o levam ao princípio de sua vida, quando era um bebê de fraldas. Faz tudo com eficiência e bom humor, e rapidamente; tem na boca, quase sempre, um charuto apagado com o qual, com certeza, foge do charuto. Tem uma inteligência direta, não foge de nada, nem dá voltas. Acostumado a escolher as palavras, as diz como se viessem de um exercício intelectual que tem seu reflexo nos corredores superlotados dessa casa que se parece com o paraíso dos livros.

Está com 83 anos; emagreceu, pois faz uma dieta que o afastou do uísque (com o qual almoçava algumas vezes) e de outros excessos, de forma que mostra a barriga achatada como uma glória conquistada em uma batalha sem sangue. É um dos grandes filólogos do mundo; desde muito jovem ganhou notoriedade como tal, mas um dia quis demonstrar que o movimento narrativo se demonstra andando e publicou, com um sucesso planetário, o romance O Nome da Rosa (1980), cujo mistério, cultura e ironia impressionaram o mundo.

Passeamos junto com o escritor. Física e metaforicamente. Percorremos juntos a imponente biblioteca de sua casa em Milão, onde também repousam alguns de seus livros de maior sucesso, como O Pêndulo de Foucault e Apocalípticos e Integrados. Nas mesmas prateleiras também está seu novo romance, Número Zero, uma ficção sobre jornalismo inspirada na realidade. Um olhar sobre a informação no século XXI e a Internet, campo de batalha das ideias, das notícias e das mentiras. Controlar a verdade do que aparece na rede é, para Eco, imprescindível. Uma tarefa à qual deveriam se dedicar os jornais tradicionais, para que esses continuem sendo, no futuro, garantidores da democracia, da liberdade e da pluralidade.

Com esse sucesso que teria envaidecido qualquer um, não parou de trabalhar, como filósofo e romancista, e desde então o professor Eco é também o romancista Eco; agora aparece (em vários países do mundo) com um novo romance que nasce do centro de seus próprios interesses como cidadão: ele se sente um jornalista cujo compromisso civil o levou durante décadas a fazer autocrítica do ofício; seu romance Número Zero (cujos direitos no Brasil foram comprados pela Record, que deve lançá-lo neste ano) retrata um editor que monta um jornal que não sairá às ruas, mas cuja existência serve ao magnata para intimidar e chantagear seus adversários. Pode se pensar legitimamente que nesse editor está a metáfora de Berlusconi, o grande magnata dos meios de comunicação na Itália?, perguntei a Eco. O professor disse: “Se quiser ver em Vimecarte um Berlusconi, vá em frente, mas há muitos Vimecarte na Itália”.

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