Perigo do livro único

Aí a multidão de moradores de Toulouse, revoltada com a
injustiça, cortou a faca as cordas que amarravam os vingadores, retirou-os dos
carros e começou a gritar com eles, a plenos pulmões: “Morte aos judeus”, arremetendo
contra o bairro judeu. Eu estava ocupado lendo e escrevendo quando um grande
número dessas pessoas invadiu meu quarto, armadas com sua ignorância grosseira
como uma marreta e com um ódio afiado como uma faca. Não foi à vista de minhas
sedas que seus olhos se injetaram de sangue, mas à de meus livros, que enchiam
as prateleiras; enfiaram as sedas sob os capotes e jogaram os livros no chão,
pisoteando-os e rasgando-os diante de mim. E eram livros encadernados em couro,
numerados, escritos por homens cultos, contendo, caso tivesse querido lê-los,
mil razões para que me matassem ali mesmo, e contendo, se tivesse querido
lê-los, remédios e bálsamos para seu ódio. Eu lhes disse que não os rasgassem,
pois uma grande quantidade de livros nunca é perigosa, enquanto um só livro
sim, é perigoso; disse-lhes que não os rasgassem porque a leitura de uma grande
quantidade de livros conduz à sabedoria, e a leitura de um único à ignorância
armada de loucura e ódio.
Danilo Kis, Cães e livros
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