sábado, junho 27

Assim começa ...

Naquela noite tinha havido uma tempestade em St. Louis. A água quedava-se em negros charcos fumegantes na calçada fronteira ao aeroporto, e, do banco traseiro do táxi, eu via a agitação dos ramos dos carvalhos sobre um fundo de nuvens citadinas baixas. Era sábado e as estradas estavam saturadas de uma sensação de extemporaneidade, de atraso – a chuva não caía, já tinha caído.

A casa da minha mãe, em Webster Groves, estava às escuras, à exceção de uma lâmpada com temporizador na sala de estar. Entrei, fui direito à prateleira das bebidas e servi-me de uma boa dose que já vinha a prometer a mim próprio desde antes do primeiro dos meus dois voos. Invadia-me o sentido de posse de um viquingue em relação a tudo a que pudesse deitar a mão. Estava prestes a entrar na casa dos quarenta, e os meus irmão mais velhos tinham-me confiado a missão de viajar até ao Missuri e escolher um agente imobiliário que se encarregasse de vender a casa. Enquanto estivesse em Webster Groves, a trabalhar em prol do patrimônio familiar, a prateleira das garrafas seria minha. Minha! Idem para o ar condicionado, que regulei para uma temperatura glacial. Idem para o frigorífico da cozinha, que achei necessário abrir imediatamente e vasculhar até ao fundo, na esperança de descobrir umas salsichas de pequeno-almoço, um guisado caseiro, alguma coisa cheia de gordura e de sabor que pudesse aquecer e comer antes de ir para a cama. A minha mãe tinha sempre o cuidado de etiquetar a comida com a data em que a tinha congelado. Debaixo de múltiplos sacos de mirtilos, descobri um saco com uma perca que um vizinho tinha pescado três anos antes. Debaixo da perca estava um pedaço de peito de vaca com nove anos.

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