sábado, julho 4

Assim começa o livro...

Não sei por que me meti a escrever a minha história.

Só sei que nunca me sentaria outra vez para escrever uma autobiografia, nem que vivesse mais cem anos. Falar de assuntos íntimos tão abertamente significa estar apaixonado demais por si mesmo. A verdade é que fiquei impressionado demais com tudo o que me aconteceu desde o ano passado para deixar de registrar esta história. Não tenho a intenção de ser um literato — vou evitar ao máximo os artifícios literários. Mesmo assim, será impossível não demonstrar como me senti e o que refleti (e ainda reflito) diante de cada situação. Bem, ao trabalho! Se bem que não haja trabalho mais difícil do que este...

Começo pelo dia 19 de setembro do ano passado, quando encontrei pela primeira vez certa pessoa...

Mas não posso explicar quem encontrei sem que você, leitor, saiba de toda a história anterior ao encontro. E já começo a cair em artifícios literários! Escrever sem ser vulgar é algo que não depende apenas da vontade... Também, não há língua mais difícil de se escrever que a russa. É por isso que costumo escrever coisas mais idiotas do que as que realmente quero dizer.

Então vamos lá. Antes de tudo: meu nome é Arkádi Makárovitch Dolgorúki, tenho vinte e um anos e sou bastardo. Perante a lei, meu pai é Makar Ivánovitch Dolgorúki, ex-servo de meu pai verdadeiro, Versílov — ele, que me impressionou tanto na infância, serviu de inspiração para mim, mas foi sempre um mistério em muitos aspectos.
 
Fiódor Dostoiévski, "O adolescente"

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