terça-feira, julho 7

Toda a luz que há nas româs

Enquanto lemos Mia Couto viajamos pelo coração generoso do homem
Mia Couto fez 60 anos ontem, 5 de julho. A data serviu de pretexto para uma homenagem ao escritor. Ligou-me, de Maputo, um jornalista moçambicano, pedindo-me um breve depoimento. Disse-lhe que ao olhar para o Mia, agora que completou 60 anos, tenho a certeza de que jamais envelhecerá. Mia vive em estado de infância. A meninice dele devolve-nos à nossa. Para criar, para escrever, ajuda muito estar criança. Convém manter intacta a capacidade de transformar em brinquedo tudo aquilo que nos rodeia, das palavras aos sons. Convém permanecer disponível para o espanto, atento às surpresas que a vida sempre engendra e, ao mesmo tempo, manter intacta a capacidade de indignação. A tudo isto podemos também chamar paixão.

A expressão “escritor cínico” soa-me quase como um oximoro. E contudo sei que há, que houve sempre, escritores cínicos e que muitos deles produziram bons livros. São velhos de nascença. Nunca foram crianças. Criar, para eles, não é um divertimento e sim uma responsabilidade. Fazem-no com as costas curvadas. Desprezam quem se diverte. Desprezam, regra geral, o riso e o humor. Quando tentam a ironia, que é a mais difícil e sutil das figuras de retórica, só alcançam o bruto sarcasmo. São pessimistas por uma questão de estilo e sobretudo por preguiça. Escrever é um sofrimento de que se orgulham, como os fanáticos da Opus Dei se orgulham do cilício com espigões de aço que lhes corta a carne. A vida para esta gente não passa de um instante vazio de sentido e de esperança; a Humanidade é um desastre irremediável.

Mia Couto, pelo contrário, acredita na Humanidade. Ama quem lhe está próximo, o povo simples de Moçambique, e também os bichos e as árvores todas. Uma parte do seu sucesso internacional tem a ver com a forma como ele consegue partilhar conosco, com os seus leitores, o olhar apaixonado em relação ao outro. Enquanto o lemos viajamos através do coração generoso do homem. Enquanto o lemos fazemo-nos mais humanos.

Leia mais op artigo de José Eduardo Agualusa h

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