quarta-feira, outubro 11

A dor do defunto e outros itens

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O defunto pergunta-se quando afinal vão enterrá-lo. Já lhe doem as costas e só espera que a tampa seja fechada, para poder virar-se e cochilar.

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Diz um escritor a outro: “Então ficamos assim. Se houver eternidade, nós nos encontramos lá. Se eu for primeiro, vai ser fácil você me achar. Eu estarei ao lado do Shakespeare.”

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Pelo sim, pelo não, continuarei imaginando que tenho alma. Pode ser útil, um dia.

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Um poeta há de estar preparado para interpretar ao menos o que lhe dizem as flores, a brisa e os pássaros.

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Se for escrever uma crônica, nunca cite um gato no início, a menos que esteja disposto a falar dele até a derradeira linha do último parágrafo. Um gato nunca pode ser senão o protagonista.

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O poeta é um tipo ao qual as pessoas devem se acostumar aos poucos.

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Se Deus se negar, não faltará diabo para nos carregar.

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No varal sem sol, o fantasma assusta-se com a cara de um lençol.

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O poeta está liberado para amar tantas vezes quantas suportar seu tolo coração.

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Alguns defuntos (quanta hipocrisia!) fingem que são sérios até no seu último dia.

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Era um poema concretista espetacular, com excelente vista, de frente para o mar.

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No fim da vida, quando dizem palavras como amor, os lábios formam o mesmo desenho que neles se vê quando dizem morte ou pedra.

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Nada vezes nada é tudo que você hoje pode multiplicar.

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Interessa-me a tristeza, desde a infância. Na alegria vejo sempre algo de grosseiro, de vulgar, algo que não diz respeito à minha índole, uma sanfona soando no meio de um noturno de Chopin.

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Se você for um frango com intenções artísticas, vá aconselhar-se com um poeta condoreiro.

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Estou muito velho e muito burro para procurar essas pessoas que ensinam outras a escrever.

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Aos gramáticos mais ferozes sempre resta a desculpa de que tiveram uma infância infeliz.

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Inquietação um palmo abaixo do umbigo ou é comichão ou sinal de perigo.

Raul Drewnick

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