segunda-feira, outubro 23

Assim começa o livro...

Guanabara, pelo que eu sei, é um tipo de embarcação de um mastro só e vela grande, a tal da bujarrona. Mas dizem que os índios antigos chamavam assim isto tudo aqui, toda esta lagoa enorme de água salgada. Guaná-pará, eles diziam.

Guaná é “seio”, “colo”; e pará é “mar”. Então, eles achavam que esse mundão de água era o “seio do mar”, veja você! Ou o seio, a mama, de onde brotava a água do mar.

Mas guaná era uma raça de índio. Devia ser daquelas raças de mulheres de peitos grandes, fartos, capitosos…

Resultado de imagem para Nas águas desta baía há muito tempo: contos da Guanabara/
Pois é, freguês… A Bíblia diz que, assim que acabou de criar o mundo e descansar um sábado inteiro, Deus — que naquele tempo era conhecido como Criador — reuniu seus nove filhos.

Depois de explicar direitinho pra eles como tudo funcionava, mandou cada um numa direção, pra inspecionar e ver se tudo tinha dado certo.

Vindo aqui pra estes lados, freguês, a expedição, depois de atravessar todos aqueles mares, oceanos, rios e montanhas, chegou lá na América do Norte.

Naquele tempo essa travessia era mais fácil, não era como hoje: o Criador tinha feito os continentes bem juntinhos um do outro, exatamente pra isto: pra poder, de vez em quando, mandar alguém ir a cada um deles pra ver se faltava alguma coisa, água, alimento; se alguém precisava de uma ajuda.

Então, da América do Norte, a expedição veio descendo e chegou até aqui. Aliás: aqui, não! Chegou lá! Está vendo? Subiu lá naquela serra mais alta; lá no alto daquela pedra esquisita. E, de lá, eles se embasbacaram com a vista divina, maravilhosa disto tudo aqui.

São mais de cem ilhas, meu senhor, quer ver só? Olha lá!

A da Laje… a de Vilaganhão… a Fiscal… a das Cobras… das Enxadas… de Santa Bárbara… Pombeba… dos Ferreiros… Bem lá em baixo; dá pra enxergar?

Agora, aquelas outras, aqui à esquerda: Bom Jardim… Sapucaia… Bom Jesus… Pinheiro… Pindaí de baixo… Pindaí de cima, também chamada de Ilha do França… Catalão… das Cabras… Baiacu…Fundão… Cambembe Grande e Cambembe Pequeno… Santa Rosa… do Raimundo… Anel… Saravatá…

Lá no fundo, agora: Ilha Seca… Ilha d’Água… Mãe Maria… Palma… Rijo… Boqueirão… Aroeiras…

Vamos agora mais pro meio: Manguinho… Redonda… Braço Forte… as Tapuamas, de fora e de dentro… Jurubaíbas, duas também…

Olha lá: Paquetá… E em volta, a da Pedra Rachada, a do Trinta Réis, as lajes do Machado, do Silva, a do Cabaceiro… É muita ilha, meu senhor!

Tem ainda a do Gonçalo, a de São Roque, a do Brocoió, a das Folhas. A dos Lobos, a do Mestre Rodrigues, a de Pancaraíba… Tem aquelas já quase na barra… E tem também aquelas lá do outro lado, já na Praia Grande… É ilha que não acaba mais, meu amigo! Baía é isto aqui; o resto é onversa.

De forma que o pessoal da expedição ficou de queixo caído. Aí, um deles lá, que era na verdade um espírito de porco, não se conteve e falou:

— Caramba! O Criador começou o mundo foi por aqui.

Só pode ter sido… Depois é que foi fazendo o resto, em volta. Aqui é que é o centro de tudo. Mas a viagem tinha sido longa, muito longa. E no caminho a expedição foi aumentando, claro! Tanto que o chefe, já com muitos mil anos nas costas, tinha netos, bisnetos, tataranetos. E aí começou tudo de novo, a partir do centro destas águas maravilhosas: o neto chamado Irajá seguiu pro leste com seu grupo; o irmão dele, Iguaçu, foi pro norte; uma neta, chamada Magé, foi pra noroeste; a irmã dela, Icaraí, foi pra oeste; todos seguindo os pontos cardeais.

Bem… Eu estou vendendo o peixe conforme aprendi neste mar, nestas areias, nestes portos; o que, aliás, não serviu pra muita coisa. Senão eu — Genésio da Anunciação, seu criado — não estava aqui até hoje, escamando, cortando e limpando corvina, tainha, xerelete, pra vender pro senhor… Eu estava era falando françuá, como falam, aqui, os ricos, as madamas, os doutores, os estudados, não é mesmo?

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