sábado, dezembro 9

A chaminé e a porta

A grande vantagem da criança sobre o adulto é o direito, a vontade e a necessidade que ela tem de perguntar tudo. Com o passar do tempo, esse direito, essa vontade e, sobretudo, essa necessidade vão acabando. Daí que o velho, em geral, nada mais pergunta.

Para quê? A quem? Evidente que o velho também cultiva suas dúvidas. E como qualquer outro sábio, sabe que pouco sabe. Tive a prova disso na véspera de Natal. Veio de Washington um netinho que acredita em Papai Noel e sabe que o bom velhinho desce pela chaminé, pois nos subúrbios da capital americana toda casa tem uma chaminé exatamente para facilitar a vinda de Papai Noel até a sala onde está armada a árvore de Natal.

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Avisaram-me que não decepcionasse o guri, armei a árvore da melhor maneira possível, admito que ficou imponente, faiscando tão forte que suas luzes, no profundo da noite, se refletem nas águas da Lagoa.

Pensei que obrara bem e que tudo estava resolvido. O menino veio, aprovou a árvore com entusiasmo, e perguntou onde estava a chaminé. Bolas! Eu pensara em tudo, menos em chaminé!

Seria complicado explicar que na Lagoa as casas não precisam de chaminé. E que o Papai Noel, quando chega ao Brasil, depois de ter descido e subido em tantas chaminés pelo mundo afora, vem muito cansado e entra pela porta mesmo.

Ele ficou maravilhado. Um Papai Noel que entra pela porta das casas, sem necessidade de se esfolar pelas chaminés! Não era à toa que na escola maternal que frequenta, em Washington DC, o Brasil tem fama de ser um país onde certas coisas acontecem.

Evitei que o assunto se aprofundasse. Mas invejei o garoto que, além da coragem de perguntar, tivera a sabedoria de concluir. Vergado aos anos, fico eu com meus espantos e dúvidas, sem ter a quem perguntar por que o Papai Noel nunca veio para mim, nem pela chaminé que nunca tive nem pela porta que nunca soube abrir.
Carlos Heitor Cony, "O harém das bananeiras"

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