terça-feira, maio 29

O papel, o digital, as pessoas

Lisa Aisato
Quando acontecem atentados que atingem os tradicionais repositórios de livros, a que chamamos bibliotecas por norma levanta-se um rol de coros que por norma e sem excepção lamentam o sucedido. Assim aconteceu ao longo do tempo em que o saber, colocado de forma escrita, podia, na opinião dos conquistadores, ser um perigo para a sociedade que acabavam de tomar.

Isto aconteceu em inúmeras situações ao longo da história, mas as mais conhecidas são as destruições da biblioteca de Alexandria e mais recentemente, isto é neste século, também no Iraque e na Síria. Uma coisa é certa e comum as diferentes destruições: São efectuadas na sequência de conflitos bélicos.

No caso da biblioteca de Alexandria, cuja maior destruição terá ocorrido no ano 646, e foi conduzida por muçulmanos que combatiam na altura o Império Romano. Diz-se, que quando o comandante que tomou a cidade e solicitou orientações ao seu chefe Omar este lhe respondeu: Dos livros existentes, os que forem contrários ao Alcorão devem ser destruídos. Os que forem a favor do Alcorão podem ser destruídos pois temos o Alcorão. Consta que os livros foram distribuídos pelos balneários públicos de Alexandria e utilizados para combustível dos fornos que aqueciam a água dos balneários públicos.

Bem, mas não vamos falar deste assunto que contudo quem quiser aprofundar poderá consultar por exemplo (aqui). Hoje o objectivo é falar sobre a forma de guardar a informação, e principalmente sobre o dilema papel/digital, se é que ele existe.

Na nossa época, cada vez mais utilizamos ferramentas digitais para obter, tratar e guardar informação. E, sendo eu um apologista dessas ferramentas, fruto até da minha formação académica, não posso por outro lado deixar de me questionar sobre o caminho que estamos em muitos casos a trilhar sobre esta matéria.

Quando aparece alguém a defender que o futuro é o digital, seja nos livros seja na prestação de serviços só podemos apoiar essas iniciativas. O digital veio democratizar a informação permitindo que todos, (ou quase todos) tenham livre acesso à informação.

É certo que sem essa nova forma de acesso, muitas pessoas não teriam acesso à informação e, mais ainda, não teriam acesso de forma tão rápida e fácil. Quem, mesmo hoje poderia adquirir livros em papel em quantidade que permitissem consultar, quando quisessem toda a informação? Claro que ninguém poderia fazer isso.

É por isso que ninguém com bom senso pode prescindir de tudo o que é tradicional, os livros em papel, ou mesmo pergaminho, e preferir o que supostamente é moderno, o digital. Também o bom senso não pode conduzir a que se elimine tudo o que for inovação e por isso do digital e se utilizem apenas os suportes tradicionais da informação os livros.

Manter tanto quanto for possível os vários suportes de informação com a vantagem que cada um tem relativamente aos outros deve ser a nossa principal preocupação se quisermos deixar às futuras gerações aquilo que nós aprendemos e inventámos.

Se o não fizermos, estamos a comportar-nos como a força militar que destruiu a biblioteca de Alexandria pela última vez.

Digital sim, pois democratiza o acesso.

Mas apenas digital, não, pois os restantes suportes têm demonstrado ao longo do tempo uma longevidade que vai muito para além do que o digital tem.
Preservar utilizando ambos os suportes é o desejável já que outro tipo de preservação ainda não é possível – a vida.

Como alguém disse uma vez, o grande problema da destruição de legados culturais e repositórios tradicionais de informação, é um problema grave. É também um problema grave a destruição dos suportes digitais de informação sejam livros nesse formato ou outros. Mas o maior problema, e esse não tem solução fácil ou melhor, não tem solução é a destruição de quem as lê ou leu.

Quando um leitor de livros (uma pessoa) desaparece, é uma biblioteca inteira que desaparece e se perde pois o seu conhecimento intrínseco não pode recuperar-se depois da sua morte se não existir um suporte onde o seu conteúdo possa ser preservado. Ora, como facilmente percebemos manter o conhecimento de alguém que desaparece fisicamente é impossível, pois esse conhecimento vai muito para além do que está guardado na sua memoria. Ouvir alguém contar uma história ao vivo, não é a mesma coisa que ler essa historia escrita por exemplo num livro. É melhor e mais fiável ao vivo.

Há todo um conjunto de conhecimento que nessa situação não pode ser transmitido. É o tom da voz, a sua altura o timbre, e ainda a expressão facial e corporal que acompanha o contar da historia. Por isso, vamos tirar o máximo partido do conhecimento residente nestas bibliotecas enquanto elas não forem destruídas pela lei natural da vida.

Se pudermos recolhamos o máximo de conhecimento dessas bibliotecas, preservando-o quer em papel quer em digital (video) na certeza porém de que o o original nunca será recuperado.

Destes três suportes apenas pudemos controlar dois deles: Os livros, ou melhor a escrita e o digital. Por isso mantenhamos o máximo que pudermos desses suportes informativos para que no futuro, quem nos suceder, não tenha que perder tempo a inventar a roda de novo e possa orientar a sua energia para novas invenções, contribuindo assim para o desenvolvimento da humanidade.

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