terça-feira, agosto 14

O estranho caso do livro que custava mais de R$ 10 mil na Amazon

Deborah MacGillivray é uma autora escocesa de romance romântico. Publica por uma pequena editora –Kensington– e não é especialmente conhecida. Não tem sequer uma página na Wikipédia, embora uma pequena comunidade de fãs de romances românticos na Espanha a liste em seu site. Tem 5.159 seguidores no Twitter. Ela costuma usar chapéu e deixa que as capas de seus livros sejam ilustradas da maneira mais kitsch. Isso inclui figuras com cota de malha e musculosos torsos descobertos. Em sua biografia, se gaba de colecionar espadas e barbies. Não publicou muito, apenas oito romances. Ninguém pensaria em tentar ficar rico vendendo um exemplar de nenhum deles porque podem ser encontrados por menos de um dólar. E, no entanto, isso acontece. Foi a própria autora que denunciou que alguém na Amazon estava tentando vender One Snowy Night, romance que encantou a resenhista especializada em affaires medievais do portal Coffee Time Romance, por 2.630,52 dólares (aproximadamente 10.172 reais). Por quê?, perguntou ela. Por acaso tem gente tentando a sorte até um extremo tão delirante naquela que hoje é considerada a maior livraria do mundo? O gigante deveria permitir isso? É isso o livre mercado do livro? Tentar enganar o comprador desavisado?
Existe ao menos um tópico de discussão nos fóruns da Amazon com o título Por que este livro é tão caro e nele se dão algumas pistas. Enquanto o caso MacGillivray chegava ao The New York Times e ela especulava sobre a possibilidade de uma conspiração russa –“de repente houve uma enorme quantidade de tráfego da Rússia no meu blog, seriam os hackers russos tentando se aproveitar do meu trabalho?”, perguntou–, nesse fórum se fala do autoprice, isto é, a possibilidade de o comprador dizer à máquina para atribuir ao livro o valor de mercado baseado no número de exemplares que estão em circulação. Isso explicaria os decimais no caso do exemplar de O Segredo do Mal, de Roberto Bolaño, vendido por 355,87 euros, quando se pode encontrar uma edição de bolso por 24 euros –seu valor real, quando não estava fora de catálogo, era 7,90. Mas isso não explicaria o caso da escritora escocesa. Nesse fórum se dá outra pista. Pode ser coisa do SEO, uma moderna estratégia de posicionamento virtual. Linguagem algorítmica. O preço é tão alto que o robô entende que é uma edição muito difícil de encontrar e a posiciona melhor, ela e o usuário que a coloca à venda. Porque às vezes não há uma livraria por trás, mas um mero usuário e um que consegue uma vitrine melhor elevando o preço de um dos seus produtos.

Algo assim acontece em outras plataformas on-line de venda de livros? Sim e não, diz Patricia Camiño, da livraria Litoral, um sebo espanhol clássico que tem boa parte do seu catálogo colocado para venda on-line. Sim, porque há vendedores tentando a sorte procurando encontrar compradores desavisados; e não, porque há mais regulação do que na Amazon. Na Iberlibro –plataforma na verdade alemã, chamada AbeBooks, que muda de nome na Espanha– ou na Uniliber, plataforma criada por livreiros espanhóis e administrada por eles–, e não se vende se não existir uma mínima estrutura empresarial por trás. “Hoje em dia é muito mais fácil encontrar o valor de um livro. Antes você tinha de consultar centenas de catálogos. Mas também há quem ignore isso”, diz. Ela observa o caso de uma livraria chamada Atmosphere Books, com sede em Sevilha, que “se vê que ninguém mais tem o livro que oferta, o coloca por 400 euros e, claro, se é um livro de 10 euros e você encontra outro, você o coloca por 20 e não demora a vendê-lo”. Assim, a tentativa de enganar o amante do livro em questão acaba se tornando uma oportunidade para a concorrência vender pelo dobro um livro comum. Algo assim, diz. Patricia não sabe nada sobre o autoprice, mas não o considera um disparate. Por quê?

Porque a lógica da máquina só entende aquilo para o qual foi programada. E se a lógica diz que o livro custa 10 euros quando há 3.000 exemplares em circulação, dirá que custa 3.000 quando há apenas um em circulação. O problema é que essa lógica deixa de fora quem não é usuário do programa. De qualquer modo, como MacGillivray lamentou, poderia acontecer que alguém perdesse a cabeça, clicasse e levasse para casa aquele valioso exemplar. Na fabulosa Psychoville, uma minissérie delirantemente macabra do comediante Steve Pemberton, uma das protagonistas é uma parteira chata que acha que está criando um bebê que na verdade é um boneco com aspecto de bebê e obriga o marido a levá-lo ao parque e trocar as fraldas; o próprio Pemberton era, às vezes, um velho cego que vivia em um castelo e ficava milionário comprando e vendendo ridículos bichos e pelúcia no eBay. Alguns continuavam nas mãos de famílias que só queriam se livrar deles e que não acreditavam que alguém estivesse pagando milhares de libras por um dinossauro feio no qual faltava um olho. O mundo, com e sem algoritmos, será sempre um mistério.

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