terça-feira, dezembro 11

Assim começa o livro...

Tinha acordado ou continuava sonhando? Aquele calorzinho no peito do pé direito continuava lá, uma sensação estranha que arrepiava todo o seu corpo e lhe revelava que não estava sozinha naquela cama. As lembranças vinham à sua cabeça em tropel, mas iam se organizando como palavras cruzadas preenchidas lentamente. Depois do jantar elas tinham ficado alegres e um pouco altas com o vinho, passando do terrorismo aos filmes e às fofocas sociais, quando, de repente, Chabela olhou o relógio e imediatamente se levantou, pálida: “O toque de recolher! Meu Deus, não vai dar mais tempo de chegar a La Rinconada! Como passou o tempo!”. Marisa insistiu que ficasse e dormisse com ela. Não havia problema, Quique tinha ido a Arequipa para uma reunião da diretoria no dia seguinte cedo na cervejaria, elas eram donas do apartamento no Golfe. Chabela ligou para seu marido. Luciano, sempre tão compreensivo, disse que não se preocupasse, ele se encarregaria de que as duas meninas fossem pontualmente esperar o ônibus do colégio. Que Chabela ficasse mesmo na casa de Marisa, era bem melhor que ser parada na rua por uma patrulha, se infringisse o toque de recolher. Maldito toque de recolher. Mas, claro, o terrorismo era pior.

Chabela dormiu com ela e, agora, Marisa sentia a sola do pé da amiga no peito do seu pé direito: uma leve pressão, uma sensação suave, morna, delicada. Como foi que as duas acabaram tão perto uma da outra naquela cama de casal tão vasta que, quando a viu, Chabela brincou: “Escute aqui, Marisita, você pode me dizer quantas pessoas dormem nesta cama gigante?”. Lembrou que tinham se deitado cada uma em seu canto, separadas no mínimo por meio metro de distância. Qual delas tinha se mexido tanto no sono que agora o pé de Chabela estava pousado sobre o seu?

Não se atrevia a fazer nenhum movimento. Continha a respiração para não acordar a amiga, para que ela não tirasse o pé acabando com aquela sensação tão agradável que se expandia do peito do seu pé para o resto do corpo e a deixava tensa e concentrada. Devagarzinho foi divisando, nas trevas do quarto, umas réstias de luz nas persianas, a sombra da cômoda, a porta do closet, a do banheiro, os retângulos dos quadros nas paredes, o deserto com a serpente--mulher de Tilsa, a câmara com o totem de Szyszlo, o abajur de pé, a escultura de Berrocal. Fechou os olhos e escutou: muito fraca, mas compassada, aquilo era a respiração de Chabela. Estava dormindo, talvez sonhando, e então tinha sido ela mesma, sem dúvida, quem se aproximou do corpo da amiga durante o sono.

Surpresa, envergonhada, perguntando outra vez se estava acordada ou sonhando, Marisa afinal tomou consciência daquilo que seu corpo já sabia: estava excitada. Aquela sola delicada aquecendo o peito do seu pé lhe havia acendido a pele e os sentidos e agora, com certeza, se passasse a mão entre as pernas estaria molhadinha. “Você ficou doida?”, perguntou a si mesma. “Ficar excitada com mulher? Desde quando, Marisita?” Tinha se excitado sozinha muitas vezes, naturalmente, e também se masturbava uma vez ou outra roçando uma almofada entre as pernas, mas sempre pensando em homens. Pelo que se lembrava, em mulher nunca, jamais! No entanto, agora estava excitada, tremendo da cabeça aos pés e louca de vontade de que estivessem se tocando não apenas os pés, mas também as outras partes do corpo, e ela sentisse em toda a pele, tal como no peito do pé, a proximidade e a tepidez da sua amiga.

Mexendo-se suavissimamente, com o coração aos pulos, simulando uma respiração semelhante à do sono, Marisa virou-se um pouco, de tal modo que, embora sem tocá-la, sentiu que agora sim estava a poucos milímetros das costas, das nádegas e das pernas de Chabela. Ouvia melhor sua respiração e teve a impressão de sentir um alento recôndito que emanava daquele corpo tão próximo, chegava até ela e a envolvia. A despeito de si mesma, como se não se desse conta do que estava fazendo, moveu lentamente a mão direita e pousou-a na coxa da amiga. “Bendito toque de recolher”, pensou. Sentiu o coração acelerando: Chabela ia acordar, ia empurrar sua mão: “Tire, não me toque, você ficou maluca?, o que está havendo?”. Mas Chabela não se mexia e parecia continuar mergulhada num sono profundo. Sentiu-a inspirar, expirar, teve a impressão de que aquele ar vinha até ela, entrava por seu nariz e sua boca e aquecia suas vísceras. De vez em quando, no meio de sua excitação, que absurdo, pensava no toque de recolher, nos apagões, nos sequestros — principalmente o de Cachito — e nas bombas dos terroristas.

Que país, que país!

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