segunda-feira, maio 6

A poeta da ilha de Lesbos cuja visão sobre amor e sexo atravessou 2.600 anos

Como sociedade, estamos debatendo a ideia de que o gênero não é algo puramente biológico. Mas será que essas ideias são radicalmente novas?

Na verdade, não. Esses mesmos temas foram centrais na obra da poeta Safo, que viveu no século 6 a.C. na ilha grega de Lesbos.

Sim, é por causa dela que usamos a expressão lésbica, que originalmente designa "alguém de Lesbos".

A professora Margaret Reynolds, especialista no trabalho de Safo, explicou à BBC News alguns aspectos da vida e obra da poeta que a tornam vigente até os dias atuais.

Safo é uma das poucas vozes femininas cujo trabalho sobreviveu desde a Antiguidade.

A reputação de Safo esteve, por muito tempo, envolta em mitos e lendas, frequentemente mudando para refletir as diferentes atitudes da sociedade ante o gênero e a sexualidade.

Vasily Ptyukhin
Segundo Reynolds, embora o trabalho da poeta tenha se tornado sinônimo do desejo lésbico, na época em que Safo fez seus textos, 2.600 anos atrás, nada do que ela escreveu seria motivo de escândalo.

Ainda que na época fosse esperado que as mulheres se casassem com homens, os sentimentos e relações homossexuais eram vistos com naturalidade.

Sabe-se que Safo pertencia a uma família aristocrática. Alguns textos antigos fazem referência a pessoas que parecem ser seu marido e sua filha, embora não seja possível ter certeza absoluta da existência deles.

Safo foi reconhecida ainda em vida: era tratada como "a poeta", assim como Homero era tratado como "o poeta".

Ela foi uma das poucas mulheres a ser retratada em cerâmica, o que é o equivalente grego antigo a aparecer em um programa de TV no horário nobre.

Embora pouco de seu trabalho tenha sobrevivido, Safo é até hoje alvo da fascinação de eruditos e artistas.

Com o passar dos anos, suas obras completas se perderam: só o que restou é um punhado de poemas completos e alguns fragmentos transcritos em papiros antigos.

Alguns eruditos acreditam que ela tenha escrito seus poemas para mulheres e meninas pertencentes ao culto de Afrodite, e que haviam celebrado ritos femininos como a puberdade, o casamento e o parto.

Mas, ao longo do século passado, novas descobertas sobre seu trabalho levaram à compreensão, segundo Reynolds, do papel fundamental que ela desempenhou na configuração da linguagem do amor e do desejo, que usamos até hoje.

Atualmente, a mulher celebrada por Platão como a "Décima Musa" empresta seu nome a uma forma poética específica, chamada de estrofe sáfica, e é atribuída a ela a origem de algumas ideias e frases românticas comuns, como a referência à natureza "amarga" do amor. a

Safo diagnosticou o "mal do amor" milhares de anos atrás, explica Reynolds.

Um dos poemas conhecidos dela diz:
Mãe querida, já não tenho força para mover a agulha no bastidor,
ferida como estou de amor por um jovem... e a culpa é de Afrodite.
No fragmento 31, ela enumera os sintomas físicos do desejo. Enquanto observa a pessoa que ama flertar com outro homem, o narrador da poeta fica calado, sente frio e calor por todo o corpo e escuta um zumbido em seus ouvidos. As sensações são tão intensas que ele acha que vai morrer.

Este fragmento é um exemplo de um poeta que escreve sobre o custo físico que o desejo cobra de nós:
Parece-me ser igual aos deuses esse homem que, sentado na tua
frente, te ouve de perto falar docemente e rir de maneira encantadora,
o que me faz saltar o coração no peito. Pois, quando te olho por um
momento, já não sou capaz de dizer nada, a minha língua
silenciosamente gela e imediatamente um fogo subtil corre sob a
minha pele. Deixo, subitamente, de ver, os meus ouvidos zunem e um
suor frio cobre o meu corpo, dominado por intenso tremor. Fico então
mais verde do que a erva e pareço pouco distante de morrer.
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