terça-feira, fevereiro 2

Crônica do mandiocal

Seikichi Izawa
Quem me conta esta é o primo muito querido, Rodrigo de Queirós Lima. 

Aconteceu em Belo Horizonte, com um padre que trouxe das profundezas de Goiás um indiozinho bem pequenino, jamais saído de sua taba. Dentro dela a vida era sempre igual: a pesca dos homens, a caça e o cuidado geral de todos os membros da tribo com a mandioca. A mandioca era o alimento, a fortuna, o bem-estar social de todo o grupo, significava o grande interesse da pequena coletividade. 

O indiozinho viu a formosa Belo Horizonte, portanto, pela mão do bom padre. Conheceu até o Mineirão. Viu seus altos edifícios novos, suas arrojadíssimas construções modernas, os cinemas, os bancos, as praças e tudo viu sem fazer perguntas, sem mostrar maior curiosidade. Ao sacerdote, aquela atitude do menino parecia incompreensível, pois esperava que o curumim tão pequenino, que jamais havia saído de sua taba, tivesse um choque até excessivo diante das maravilhas que ele lhe mostrava pacientemente. Por fim, aquilo foi ficando monótono para o padre. 

Ele dizia: --- Nesta casa só, há cento e vinte “malocas”, isto é, cento e vinte apartamentos. 

O indiozinho olhava, prestava atenção naquela grande casa onde o homem civilizado agregava suas malocas – umas sobre as outras. Não sorria, não se admirava. 

Parecia até mesmo que todo aquele mundo de edificações, toda aquela deslumbrante e feérica realização que é Belo Horizonte, não despertasse no pequeno silvícola senão um bocejo e a espera de algo melhor para ver. 

Depois de mais de quarenta minutos pela cidade, vista de dentro de um carro – o padre ia na direção –, foi que o garoto disse a primeira frase de impaciência: 

- Meu padim (era assim que chamava o padre amigo), quando é que a gente vai visitar o mandiocal deste povo? Você mostra tudo, mas onde é o mandiocal? 

Todo o interesse é ligado à vida de cada um. A grande cidade não valia nada aos olhos do curumim porque não tinha um mandiocal. 
Dinah Silveira de Queirós 

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