quinta-feira, abril 22

O que leem os chineses?

Já foi o tempo em que os chineses tinham poucas opções de leitura e o “pequeno livro vermelho” de Mao Tsé-tung estava sempre ao alcance. Obrigatória durante um dos períodos mais caóticos da história recente da China, a Revolução Cultural (1966-1976), a coleção de frases do líder comunista tornou-se peça de colecionador, e hoje a oferta é extremamente variada, apesar da censura no país. A literatura com variados tons de vermelho ainda tem lugar nas listas dos mais vendidos, mas o que move os leitores chineses é principalmente o senso prático e a busca por conhecimento.

O melhor exemplo disso é o escritor e ilustrador Chen Lei, autor de uma série de livros que explicam de forma resumida temas variados, da economia global à poesia da dinastia Tang. Dos trinta livros nas lista dos best-sellers de não ficção em fevereiro, nada menos que onze foram de Chen Lei, segundo apuração da OpenBooks, uma consultoria de Pequim especializada no mercado editorial chinês. É um fenômeno sem precedentes desde os Beatles, brinca o presidente internacional da consultoria, James Bryant.

— Na cultura chinesa atual, as pessoas têm muita motivação em dominar vários tópicos de conversa. Não só para ter o que falar em festas, mas no trabalho. Se você está interagindo com um cliente é bom ter conhecimento sobre o mundo de uma forma mais profunda do que apenas pelo que sabe das mídias sociais. Há um enorme interesse em aprender.

Embora as vendas de livros na China tenham sofrido em 2020 o primeiro declínio em décadas, causado principalmente pelo fechamento de livrarias físicas durante a pandemia, o último trimestre já mostrou uma recuperação e a receita anual chegou a 97 bilhões de yuans (R$ 83 bilhões). Cerca de 70% do mercado ainda pertence ao comércio online, mas graças a um programa de subsídios do governo, as livrarias físicas tiveram um renascimento no país.

Mesmo com o impacto da pandemia, que levou mais de 1.500 delas a fecharem as portas, outras 4 mil foram abertas no período, segundo a agência estatal de notícias Xinhua. Só em Pequim surgiram 639 novas livrarias em 2020. Com design convidativo e atrações diversas, viraram espaços de convivência, com ideias inovadoras que combinam livros eletrônicos e físicos, além de acordos de cooperação com o governo que incentivam os leitores a compartilharem as obras com bibliotecas públicas quando chegam à última página.

Livraria em Pequim, movimentada em plena pandemia

— As livrarias na China são como as bibliotecas em outros países. Os pais vão com os filhos e passam horas sentadas no chão lendo para eles.

Dos trinta livros na lista dos mais vendidos em fevereiro, seis são de autores estrangeiros, entre eles o best-seller global “Sapiens: uma breve história da humanidade”, do israelense Yuval Noah Harari, “A menina da montanha”, volume de memórias da americana Tara Westover, e “Uma breve história do tempo”, do físico inglês Stephen Hawking. Entre as obras chinesas, fora a série de Chen Lei, as melhores colocadas são bem diferentes entre si: o humorístico “Gafe” (em tradução livre), do maior nome da comédia stand-up no país, Li Dan, e “A ascensão da China”, do general Jin Yinan, professor da Universidade do Exército chinês. O tema é altamente popular no país, na onda de autoconfiança dos últimos anos.

A relação é só de fevereiro e naturalmente há variações a cada mês. Mas mesmo assim fornece um retrato das preferencias dos leitores. Na lista dos livros de ficção, o gosto dos chineses pelos clássicos deu a primeira colocação a "O Sonho do Quarto Vermelho", de Cao Xueqin o grande romance chinês do século 18, para muitos o maior de todos os tempos. Em segundo lugar aparece o romance histórico “A Rocha Vermelha”, protagonizado por Jiang Zhujun, a mais conhecida mártir da revolução comunista. Ambos são livros que muita gente gosta de ter em casa, ou compra para dar de presente, como demonstração de sintonia com as tradições nacionais.

De obras mais recentes, “Momentos que compartilhamos”, de Zhang Jiajia, que começou escrevendo “histórias de ninar” para adultos no Weibo, o Twitter chinês, e tornou-se um roteirista e diretor de sucesso no cinema. Também aparecem três livros de Liu Cixin, autor de ficção científica que foi traduzido no Brasil e tem fãs ilustres, como o ex-presidente americano Barack Obama.

Entre os estrangeiros, um que tem vaga cativa há anos entre na lista dos preferidos é “Cem anos de solidão”, do colombiano Gabriel Garcia Márquez. O sucesso, diz James Bryant, se explica por dois motivos: primeiro, o livro “é tão famoso que todos gostam de dizer que o leram”; além disso, o seu enredo “se encaixa bem em conversas sobre a sociedade”.

A maioria das editoras tem controle total ou parcial do Estado. A censura é exercida na fonte, já que cada editora sabe que sofrerá consequências se deixar passar algo indesejável. Uma base de dados eletrônica com palavras sensíveis é usada para fazer uma peneira antecipada. O mesmo também se aplica às empresas privadas de internet e seu crescente mercado de literatura online, que no ano passado foi avaliado em 37,2 bilhões de yuans (R$ 31,9 bilhões).

Nas livrarias chinesas, não é tão fácil achar autores brasileiros. Mas alguns conseguiram emplacar vendas razoáveis nos últimos anos. Numa lista fornecida pela OpenBook dos brasileiros mais vendidos na China de 2015 para cá, os campeões são Paulo Coelho, com oito títulos, seguido do escritor de literatura infantil Ilan Brenman, com três.

Bryant, cuja consultoria monitora o mercado editorial chinês há vinte anos, diz que um dos nichos mais promissores do mercado editorial chinês é o de livros infantis, principalmente os voltados para crianças em idade pré-escolar. Isso porque os pais chineses gastam muito em livros para seus filhos nessa fase, quando podem introduzi-los em assuntos que consideram importantes antes que o tempo deles seja tomado pelo currículo escolar. A grande oportunidade de vendas para livros infantis é até 5 ou 6 anos, explica Bryant.

— A China importa livros infantis do mundo inteiro, há uma preferência por livros que são populares em outras culturas. Isso representa uma oportunidade para autores do Brasil. Um best-seller infantil pode ser a chance de apresentar o Brasil aos chineses.

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