terça-feira, outubro 21

Biografia de um emblemático

Em tempos de política e eleições, nada melhor para refrescar a memória da política brasileira do que a biografia de um de seus políticos mais emblemáticos. Esperto, oportunista, difícil de definir se pertencia à direita ou à esquerda ou mesmo ao centro, amigo dos militares durante a ditadura quando lhe convinha e também inimigo deles conforme suas venetas, Adhemar de Barros, nascido em 1901 na cidade de Piracicaba, e falecido em Paris em 1969, foi um grande personagem, digno de um livro como “Adhemar – Fé em Deus e pé na tábua” (Geração Editorial), do jornalista Amilton Lovato. O livro ainda conta com um posfácio sobre o famoso roubo do cofre do Adhemar que ficou em posse do Dr. Rui, alcunha dada para sua famosa e conhecida amante Ana Capriglione. 


O livro faz justiça ao perfil desse personagem, a um só tempo divertido e por várias vezes astuto e corrupto comprovado, que reinou por longo tempo na política paulista, sem alcançar dimensões brasileiras, mas exercendo grande influência, por seu estilo imprevisível, espontâneo, populista e sem marca ideológica definida. Um estilo que se baseou na esperteza e na habilidade “vira-casaca” de ir se adaptando aos ventos da política conforme as necessidades circunstanciais. No mar de indefinição ideológica que reina no país até hoje, a história de Adhemar parece profetizar tempos em que o oportunismo seria mesmo a regra e ninguém mais se importaria com ideologia alguma, visto que o eleitor brasileiro é um notório adepto de personalidades, não de partidos.

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Entrevista com Amilton Lovato

O personagem principal é uma figura folclórica da política brasileira. Ele foi o primeiro político a ter esse comportamento?
Não. Já havia personagens folclóricos em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e nos estados do Nordeste. Mas, em São Paulo, Adhemar inaugurou um estilo muito particular, pois até então a política por aqui era dominada por pessoas provenientes das famílias mais tradicionais, que mantinham uma rigidez própria desses setores.

Como foi o processo de apuração? A família ajudou?
Eu diria que a família não atrapalhou. Adhemar Filho, procurado, deu algumas dicas sobre o personagem, mas não quis conceder entrevista. Sua irmã, Mariazinha, agiu da mesma forma.

Por que você resolveu escrever sobre Adhemar de Barros?
Sempre achei Adhemar uma figura mal explorada. Existem vários livros sobre ele, mas todos, sem exceção, com algum tipo de viés. Os mais comuns são as teses acadêmicas, com foco na parte política. Também é possível encontrar obras escritas por amigos ou inimigos, que, conforme o caso, pretenderam elogiá-lo ou execrá-lo. Faltava, a meu ver, uma biografia isenta.

O livro é contra ou a favor do ex-governador?
Nem contra, nem a favor. Como eu disse, é uma obra isenta. Adhemar era uma figura controvertida, e o livro procura explorar amplamente suas ambiguidades.

Ele roubava, mas fazia mesmo?
Adhemar não tinha nenhum controle sobre o dinheiro público, defeito que lhe trouxe sérias consequências ao longo da vida. Além disso, criou uma caixinha alimentada com contribuições de fontes diversas, fato que ele próprio e seus partidários confirmaram em mais de uma ocasião. Mas era inegavelmente um realizador. Ele foi responsável pela construção do Hospital das Clínicas, pelas rodovias Anhanguera e Anchieta, pela eletrificação da Sorocabana.

Ele era corrupto ou desleixado com as contas?
Era desleixado, totalmente. Mas teve também contra si várias acusações de corrupção que deixou sem resposta.

Podemos dizer que Adhemar de Barros foi o criador do caixa 2 para as campanhas eleitorais brasileiras?
Não acredito que tenha sido o criador, mas foi quem aperfeiçoou a prática.
Apesar de pertencer à elite conservadora paulista, o ex-governador tinha ideias progressistas, como, por exemplo, a cota para estudantes negros. 

Como explicar isso? Quais eram as outras ideias progressistas?
Adhemar cresceu em São Manuel, na fazenda de seu pai, e teve contato desde cedo com as classes menos favorecidas. Sua família, apesar de abastada, tinha hábitos simples. Ele circulava com desenvoltura em todos os meios. Creio que isso tenha ajudado muito. A universalização da saúde e da educação era outra ideia progressista.

Getúlio Vargas foi um grande amigo ou inimigo?
Getúlio foi ardiloso em relação a Adhemar, como em geral com todos à sua volta. Ao nomeá-lo interventor, em 1938, ele tinha a intenção de manter o controle sobre São Paulo, o estado rebelde, por meio de um desconhecido que ficaria lhe devendo um enorme favor, e contra quem não haveria grandes oposições, pois se tratava de um paulista. Quando viu que Adhemar poderia ameaçar suas pretensões, tirou-lhe o apoio.

O que significava a figura de Jânio Quadros para Adhemar?
O grande rival. O antagonista. O inimigo político.

Podemos dizer que Adhemar de Barros fez uma escola na forma de governar e de se posicionar?
Sem dúvida. Ele influenciou muitos políticos de sua época.
Quem seriam os grandes herdeiros do adhemarismo?
No PSP, o partido de Adhemar, algumas figuras estavam se preparando para sucedê-lo, mas a ditadura militar instaurada em 1964 interrompeu esse processo, sufocando as influências civis e criando um hiato entre as gerações de políticos. Atualmente, não há herdeiros.

Como era o relacionamento com Ana Capriglione?
Era um romance que extravasava para o lado político. Com o passar do tempo, ela adquiriu uma força contra a qual não havia concorrência à altura. Para ser aceito por Adhemar, era preciso ser aceito por ela. Isso ocorreu principalmente no último mandato de Adhemar como governador, de 1963 a 1966.

Por que ela era chamada de Dr. Rui?
Não se sabe. Talvez Adhemar tenha inventado o codinome, por impulso ou para despistar. Mas mesmo isso seria contraditório, pois ele não fazia esforço nenhum para esconder o relacionamento.

E o roubo do cofre, podemos dizer que o dinheiro vinha mesmo do caixa 2 do ex-governador?
É a explicação mais provável.

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