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O amor tem sutilezas de artista. Para que eu não me prive do seu gosto, desenhou, debaixo dos meus olhos, delicados sulcos que conduzem as lágrimas para os meus lábios sempre sedentos do amargor que ele me impõe.
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Fazer contigo algo tão puro que tivesses vergonha de contar até à tua amiga mais próxima. Algo que incluísse esparramar pela cama rosas, estrelas e, dependendo da disponibilidade, um arco-íris.
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Eu te beberia inteira, minha fonte, até que em minha garganta a tua água salina começasse a emitir grugulhos, como se nela murmurasse o mar.
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Lambisca-lhe o sal no desfiladeiro dos seios, nas bordas do umbigo, cada vez mais perto da fonte principal.
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Enredados num número formado pelo seis e pelo nove, ele e ela provam o sal da vida.
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Aos poucos o amor vai se assemelhando àquele parente que todo Natal nos visita e, no ano passado, por um problema qualquer, não veio. Este ano, com a proximidade de dezembro, nos surpreendemos imaginando (e desejando) que, conforme o nosso horóscopo, ele possa ter novamente um problema qualquer.
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Ansiou por amor. Contentou-se com afeto. No fim, já lhe bastavam migalhas de piedade, que ele rotulava como condescendência.
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Nosso erro não foi abraçá-la, beijá-la, dizer-lhe palavras doces. Foi não tê-la abraçado mais, tê-la beijado mais, retê-la em nossos braços e dizer-lhe: fica, fica, fica! E não tê-la prendido irrecorrivelmente como se aquele fosse, como era, o momento mágico que o Destino houvesse designado para nos transformar numa estátua consagrada ao amor.
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Um dia você nota que não é mais um menino de sete anos. Às vezes você leva setenta anos para descobrir. A esse cruel aprendizado costuma dar-se o nome de vida.
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Escrever é uma obsessão que se manifesta já na adolescência e, quando persiste décadas afora, representa, salvo as pouquíssimas exceções nas quais o obcecado se torna um escritor, uma das tantas provas de que a maturidade não é algo com que todos os homens possam contar.
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Chega a etapa em que, estando já inapelavelmente nos domínios da Morte, sentimos que não podemos mais retroceder. Olhamos para trás, e vemos que aqueles sentimentos todos que nos trouxeram até aqui têm no rosto um quase escárnio. De todas, a face mais terrível e zombeteira é a do amor.
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Digam o que disserem os gramáticos, um sujeito oculto traz sempre certa presunção de ilegalidade.
Raul Drewnick
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