sexta-feira, julho 29

Assim começa o livro...

Na cozinha, ele serviu mais um drinque e olhou para a mobília do quarto, no jardim da frente. O colchão estava nu e os lençóis, com listras coloridas, arrumados ao lado de dois travesseiros sobre a cômoda. A não ser por isso, as coisas tinham a mesma cara de quando estavam dentro do quarto - a mesinha e a luminária de leitura do seu lado da cama, a mesinha e a luminária de leitura do lado dela da cama. O lado dele, o lado dela. Ele ficou pensando nisso, enquanto bebia devagar o seu uísque. A cômoda estava a pouca distância do pé da cama. Ele havia esvaziado as gavetas e guardado tudo em caixas de papelão naquela manhã, e as caixas estavam na sala. Um aquecedor portátil se encontrava do lado da cômoda. Uma cadeira de vime, com uma almofada decorativa, estava junto ao pé da cama. O material de cozinha, de alumínio amarelado, ocupava uma parte da entrada para a garagem. Uma toalha de musselina amarela, grande demais, um presente, cobria a mesa e pendia dos lados até embaixo. Um vaso com uma samambaia estava sobre a mesa, junto com uma caixa de talheres, também um presente. Um televisor de modelo grande estava em cima de uma mesinha de café e, a alguns metros disso, um sofá, uma cadeira e uma luminária de chão. Ele tinha puxado uma extensão da casa e tudo estava ligado, as coisas funcionavam. A escrivaninha foi arrastada até a porta da garagem. Alguns utensílios estavam sobre a escrivaninha, junto com um relógio de parede e duas gravuras emolduradas. Na entrada para a garagem havia também uma caixa com xícaras, copos e pratos, todos embrulhados um a um em jornal. Naquela manhã, ele tinha esvaziado os armários e, a não ser pelas três caixas na sala, tudo estava do lado de fora. De vez em quando, um carro diminuía a velocidade e as pessoas observavam. Mas ninguém parava. E ele pensou que também não pararia.

"Deve ser uma venda feita no jardim, puxa vida", disse a garota para o rapaz.
Aquela garota e o rapaz estavam mobiliando um apartamento pequeno.

"Vamos ver quanto querem pela cama", disse a garota.

"Eu queria saber quanto estão cobrando pela tevê", disse o rapaz.

Entraram com o carro no jardim e pararam na frente da mesa de cozinha.
Saíram do carro e começaram a examinar os objetos. A garota tocou na toalha de musselina. O rapaz ligou a tomada da batedeira e girou o botão para a posição moer. Ela pegou um braseiro. Ele ligou o botão do televisor e fez uns ajustes cuidadosos. Sentou-se no sofá para ver. Acendeu um cigarro, olhou em redor e jogou o fósforo na grama. A garota sentou-se na cama. Tirou os sapatos e se deitou. Podia ver Vênus no céu. 

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