quinta-feira, julho 28

Nunca mais os livros fizeram tantos quilômetros

“O mundo não seria maravilhoso se as bibliotecas fossem mais importantes do que os bancos?” é a frase de uma das personagens da série de banda desenhada “Mafalda”. Felipe, apaixonado e esperançoso, o garoto que por vezes acredita que os sonhos são realidade. Mais ou menos o que passava pela ideia de quem criou um dos mais acarinhados projetos da história da Fundação Calouste Gulbenkian, as bibliotecas itinerantes. O programa foi extinto em 2002 mas agora que a Fundação cumpre 60 anos, tentámos saber mais: o que aconteceu às bibliotecas e porque não regressam?

Começaram como qualquer outra iniciativa, com a ambição de mudar algo — neste caso, a vontade maior era a de promover a leitura pública e a cultura em Portugal. Num país onde a taxa de analfabetismo era alta e o Estado Novo reprimia o que era escutado e lido, 1958 tornou-se o ano em que as bibliotecas iam começar a percorrer o país. Sem que as “fronteiras” ou as más condições do alcatrão fossem um entrave.

A ideia surgiu com o escritor Branquinho da Fonseca, que depois de adaptar uma carrinha para a distribuição de livros em Cascais, decidiu formalizar a iniciativa com a Fundação Calouste Gulbenkian. A proposta foi feita a José de Azeredo Perdigão, primeiro presidente da instituição, que aceitou de bom de grado e moveu esforços para que as bibliotecas itinerantes correspondessem às expectativas.

“Em maio de 1958, trabalhavam 15 bibliotecas itinerantes por todo o país. Mais tarde, em dezembro de 1959, havia 81 340 leitores espalhados por 118 concelhos”, esclarece Maria Helena Borges, diretora-adjunta do Programa Gulbenkian Língua e Cultura Portuguesas.

Desde Trás-os-Montes até ao arquipélago dos Açores, o projeto pretendia colocar os livros em pé de igualdade com as pessoas: aproximar uns dos outros, sem medos ou ideias preconcebidas. No fundo, demonstrar que tanto o agricultor, o aluno de uma escola primária ou o empresário podiam percorrer livremente os livros de uma carrinha Citroen HY. “O princípio era o de as pessoas terem livre acesso às estantes”, afirma a diretora-adjunta. “Nas bibliotecas itinerantes, os leitores encontravam não só os livros mas também a ajuda de um encarregado”, tudo para poderem tomar as melhores decisões na hora de requisitar os livros e descobrir pequenas curiosidades literárias.

Maria Helena Borges teve um percurso curto no projeto: substituiu Vasco Graça Moura, quando o escritor foi eleito para deputado no Parlamento Europeu e teve de abandonar o cargo de responsável pela biblioteca. No entanto, o tempo foi suficiente para ainda hoje lhe dizerem o quanto as bibliotecas deixaram saudade. “Onde quer que se vá, há sempre alguém que já foi leitor das bibliotecas itinerantes e que começou a ler com o projeto”, diz-nos.

“Em maio de 1958, trabalhavam 15 bibliotecas itinerantes por todo o país. Mais tarde, em dezembro de 1959, havia 81 340 leitores espalhados por 118 concelhos”, esclarece Maria Helena Borges, diretora-adjunta do Programa Gulbenkian Língua e Cultura Portuguesas.

Além dos leitores e dos funcionários, vários nomes da cultura portuguesa foram elementos importantes no programa especial da Calouste Gulbenkian. Os então jovens poetas, Herberto Hélder e Alexandre O’Neill, trabalharam com as bibliotecas itinerantes, como encarregados, orientando as leituras e as escolhas quando as dúvidas dos leitores eram mais que muitas. Hoje “fazem parte da História de um dos projetos mais icónicos da Fundação”, diz Maria Helena Borges. São nomes que não passam pelos pingos da chuva dos arquivos da Gulbenkian e que reforçavam a importância de ter pessoas especializadas a trabalhar.

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