sexta-feira, abril 20

A terapia de jogar conversa fora

Os pequenos momentos fazem valer as penas. Neste caso, chegou o dia de trocar as minhas. Após alguns comentários de que estaria sobrecarregado, decidi me dar um presente de aniversário. Algo simples, porém radical em tempos de excessos de informação e boletos: relaxar. “Você precisa tirar um tempo para si mesmo.”, foi a frase que mais ouvi após felicitações por completar mais um giro neste carrossel desgovernado chamado vida.

Vencido pelo cansaço (em mais de um sentido), cedi. Dediquei meu fim de semana ao lema do “barquinho vai, barquinho vem.” Sem um violão, mas com livros de confiança e uma cadeira. Fui no sebo de um amigo meu, e passei dois dias horas a fio batendo papo com estranhos e conhecidos, bebendo café e guaraná, lendo…


O Baratos da Ribeiro é um dos meus pontos favoritos há mais de uma década (afinal, estou mais velho agora). Desde sua mudança de uma loja em Copacabana para uma casa em Botafogo, fiz amizades e boas aquisições por lá. O novo ambiente, além de mais espaço para livros, vem com uma área descoberta que liga duas salas. Lá, as pessoas sentam, conversam e escutam música. Boa. Sempre pego dicas pelo que escuto no local.

Por ser uma casa antiga e ter uma abertura para o céu, há uma atmosfera calma. Quase como se fosse um subúrbio antigo, em que nós substituímos as velhinhas de cadeiras de praia na rua em frente de residências. E, como elas, passamos tempo jogando palavras ao vento. Geralmente, música e cultura pop, e, algumas vezes, a vida alheia (afinal, temos que representar as velhinhas em certo grau). As pessoas chegam, desconhecidas ou clientes antigos e amigos, sentam, tomam café e uma conversa surge como os sacos de livros e vinis que adentram quando o dono, Maurício, e seus funcionários retornam de compras de lotes.

Maurício é o típico dono de comércio carioca, embora seja de Taubaté. Cordial e resmungão, cheio de opiniões e que torna a loja uma extensão de si mesmo. Com regras rígidas, mas aberto, sempre me diverte vê-lo interagir com os outros, especialmente quando contrariado. “Ribas, você não pode botar essa banca toda. Tá muito arrogante pra quem não sabia nada há pouco tempo, né, cara.”, me falou em um momento. Eu rio, e reflito. Gosto desses momentos. É como o Bip Bip, o bar de samba do querido Alfredinho. Se você não levou um beijo ou um esporro do Alfredinho, perdeu parte da experiência.

E, para completar o perfil, adora conversa. Especialmente se envolver música. Eu ouço e anoto os nomes das bandas que referencia para buscar depois. Neste fim de semana, por exemplo, dissertou com entusiasmo sobre My Morning Jacket, um grupo americano, e tocou faixas de quase toda sua discografia. “Esse lembra o David Giulmor”, ou “Cara, olha só esse falsete. O cara (vocalista) falseteia muito neste disco.” Aprendi quase tanto sobre rock underground com ele quanto na fase na boate Bunker.

Nesses momentos em que os pássaros voam acima, a música flui, e pessoas aparecem sem compromisso, o mundo segue leve. E lembro-me que a sutileza desses instantes é uma das melhores coisas de estar aqui. Talvez por estar mais velho aprecie estes episódios calmos. Há pessoas que comem chocolate, outras que viajam, algumas vão as spas. Eu converso, leio e ouço música. Assim, começo um novo solo vital com a serenidade de que há um pouso em meio ao ritmo bate estaca que aguarda na calçada no lado de fora.

Daniel Russell Ribas

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