sexta-feira, dezembro 13

O velhinho que roubava livros

A cena é desconcertante: no interior de uma livraria movimentada, um senhor bem posto, de cabelos brancos e óculos escuros, pega um livro numa estante, esconde-o dentro de um jornal dobrado, põe esse jornal dentro de uma sacola e vai embora. O vídeo das câmeras de segurança da El Ateneo não deixa margem a dúvidas: não há distração, hesitação, esquecimento. O que se viu foi um roubo, denunciado à saída pelo sistema de alarme da loja.


O embaixador do México na Argentina acabava de lançar, ali, uma mancha indelével no seu currículo. O que aconteceu antes, nos seus 76 anos de vida, passou a segundo plano.

O vídeo, de outubro, veio à tona há alguns dias; a notícia foi dada em todas as línguas. O chanceler Marcelo Ebrard chamou-o de volta e afirmou, pelo Twitter, que, em sendo verdadeiras as imagens, ele perderá o cargo: “Zero tolerância com a desonestidade.” O presidente López Obrador pediu que o caso seja tratado com cuidado, e que “não se façam linchamentos públicos”.

Pois sim, presidente.

O embaixador é um alvo fácil demais para escapar incólume, e o seu escalpo já está espetado em praça pública.

Meu primeiro sentimento foi de pena pelo homem, provavelmente doente, que se desgraçou pelo equivalente a dez dólares; e pensei que faltou caridade à livraria, que poderia ter resolvido o assunto de forma discreta, sem envolver a polícia. De quantos casos assim já não ouvimos falar? Quantas famílias não saem desesperadas pelo comércio, pagando envergonhadas pelo que os seus parentes levaram em surto?

Mas pensei também no avesso disso: até que ponto eu estava encontrando uma saída fácil para ele? Então ladrões são só os pobres? Ricos caem automaticamente na categoria elegante dos cleptomaníacos?

Eu teria a mesma condescendência por alguém mais jovem?

Eu teria a mesma pena de alguém mais pobre?

Duas respostas no afirmativo, sinto dizer — e sinto porque, na verdade, sei que deveria mais me horrorizar com o roubo do que me apiedar do ladrão, mas não consigo deixar de simpatizar com quem não resiste a um livro.

Por outro lado, para que roubar um livro? Não é necessidade básica como um pedaço de pão ou um casaco (ainda que sim), nem objeto de valor como uma joia (ainda que sim). Um livro pode ser retirado de uma biblioteca, pode ser pedido emprestado a um amigo. Em último caso, um livro pode ser lido na própria livraria, aos pouquinhos.

Tenho a impressão, porém, de que, mais do que a biografia de Casanova que escondeu na sacola, o embaixador buscava um pouco de adrenalina na rotina dos seus dias cômodos, um certo frisson, a aventura louca que estava ao seu alcance.

Continuo com pena dele porque, no fundo, tenho pena de todos nós, embaixadores e não embaixadores, tão frágeis e falhos, tão cheios de defeitos, tão indignos do alto conceito em que nos temos.

Humanos, apenas isso.

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