quarta-feira, abril 10

O inverno era a melhor das estações

A casa ficava na parte mais elevada da estreita faixa de terra entre o porto e o mar aberto. Tinha resistido a três furacões e era sólida como um navio. Protegida pela sombra de altos coqueiros pensos pelo vento alísio, podia-se abrir a porta do lado do oceano, descer o barranco, atravessar a areia branca e mergulhar na Corrente do Golfo. Quando não havia vento, a água da Corrente era azul-escura. Mas à medida que se avançava mar adentro, criava uma transparência verde sobre a branca areia porosa, tornando possível avistar a sombra de qualquer peixe graúdo muito antes que sequer se avizinhasse da praia.

Um lugar seguro e bonito para tomar banho durante o dia, mas não para nadar à noite. De noite os tubarões rondavam a beira à caça de presas na orla da Corrente; da varanda superior da casa, nas noites calmas, ouvia-se o chapinhar do peixe que abocanhavam e indo-se até a praia enxergava-se o rastro fosforescente que deixavam na água. De noite os tubarões eram mais atrevidos, e todo mundo os temia. De dia, porém, mantinham-se a distância da clara areia branca, e, caso se animassem a se aproximar, percebia-se logo sua sombra com grande antecedência.

Um homem chamado Thomas Hudson, que era bom pintor, morava naquela casa, trabalhando ali e na ilha a maior parte do ano. Depois de se morar bastante tempo nessas paragens, a mudança das estações adquire tanta importância como noutros lugares, e Thomas Hudson, que amava a ilha, não queria perder nenhuma primavera, verão, outono ou inverno.

Às vezes o calor do verão ficava intenso demais, quando o vento diminuía em agosto ou quando os alísios deixavam ocasionalmente de aparecer em junho e julho. Os furacões também podiam sobrevir em setembro e outubro, e a qualquer momento, a partir de julho, eram capazes de armar-se inesperadas tempestades tropicais. Mas livre de vendavais, os meses mais sujeitos a furacão têm um clima ótimo.

Thomas Hudson tinha estudado as tempestades tropicais durante vários anos, e bastava-lhe olhar o céu para saber quando haveria uma perturbação atmosférica, muito antes que o barômetro indicasse sua presença. Sabia traçar o gráfico dos temporais e as precauções que devia tomar contra eles, como também sabia o que significa enfrentar um furacão com os demais habitantes da ilha e o laço que se estabelece entre todas as criaturas que passam por essa experiência. E mais: que os furacões podiam ser tão devastadores que nada conseguiria sobrevivê-los. Porém sempre imaginou que, se algum dia irrompesse um dessas proporções, gostaria de se encontrar ali para desaparecer junto com a casa.

Ela lembrava quase tanto um navio quanto uma casa. Colocada ali para resistir às tempestades, incrustava-se na ilha como se fosse parte integrante dela; mas de todas as janelas descortinava-se o mar e era muito arejada, de modo que não se sentia calor nem nas noites mais quentes. Pintada de branco para ficar bem fresca no verão, podia-se avistá-la de longe, na Corrente do Golfo. Era o ponto culminante da ilha, com exceção da extensa plantação de altos pés de casuarina, a primeira coisa que se enxergava ao se acercar da ilha por via marítima. Logo depois da mancha escura das casuarinas acima da linha do horizonte, via-se o vulto branco da casa. Aí então, à medida que se chegava mais perto, a ilha emergia inteira, com os coqueirais, as cabanas de madeira, a faixa branca da praia, e o verde da Ilha Sul se estendendo ao fundo. Thomas Hudson nunca avistava aquela casa na ilha sem que ficasse tomado por uma sensação de felicidade. Sempre a imaginava exatamente como um barco. No inverno, quando soprava o vento norte e esfriava de fato, ela era quente e confortável porque possuía a única lareira na ilha. Uma vasta lareira aberta onde Thomas Hudson queimava sarrafos lançados à praia pelas ondas.

Guardava-os numa pilha enorme, encostados à parede do lado sul da casa. Estavam esbranquiçados de sol, cobertos de areia trazida pelo vento, e ele se afeiçoava tanto a vários pedaços que até sentia ódio de ter que queimá-los. Mas depois das grandes tempestades sempre surgiam outros na praia, e terminava achando divertido queimar mesmo os pedaços de que mais gostava. Sabia que o mar traria novos e nas noites frias sentava na ampla poltrona diante do fogo, lendo à luz do lampião pousado na grossa mesa de tábuas, interrompendo a leitura para escutar o noroeste soprando lá fora, o estrondo da rebentação, e contemplar os enormes sarrafos esbranquiçados a arder.

Às vezes apagava o lampião e deitava em cima do tapete no chão, detendo-se a fitar as pontas coloridas que o sal marinho e a areia desenhavam nas chamas enquanto a lenha ardia. Deitado, seus olhos nivelavam com a altura da madeira que queimava, tornando nítida a linha de separação entre a chama e os sarrafos, o que o deixava ao mesmo tempo triste e alegre. Toda madeira que queimasse o afetava desse modo. Mas os sarrafos trazidos pelo mar a arder ali no fogo causavam-lhe uma sensação que não conseguia definir. Achou que talvez fosse erro queimá-los, uma vez que gostava tanto deles; mas não tinha remorsos por causa disso.

Ao deitar-se no chão sentia-se protegido contra o vento, embora, na realidade, o vento açoitasse até os cantos inferiores da casa, a grama mais baixa da ilha, infiltrando-se pelas raízes da vegetação rasteira da praia, pelos carrapichos e pela própria areia. No chão, podia sentir a batida da rebentação tal como se lembrava de ter sentido o disparo de poderosos canhões quando se jogava por terra perto de uma peça de artilharia há muitos e muitos anos, quando ainda era menino.

A lareira era uma coisa formidável; no inverno e durante todos os outros meses contemplava-a com carinho, imaginando como seria quando o inverno chegasse de novo. O inverno era a melhor de todas as estações na ilha, e aguardava-o com impaciência o resto do ano inteiro.
Ernest Hemingway, "As ilhas da corrente"

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