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Posso eu sair à rua, olhar para o alto e declamar uma ode ao sol, para agradecer o brilho e o calor que ele me proporcionou nos tantos e já quase inumeráveis dias de minha vida? Diriam que sou louco. E eu me queimo diariamente com a vontade de sair à rua e declamar a ode, que também para ti gostaria de declamar, e ainda com maior veemência, porque, tendo ensolarado alguns dos meus dias, tão poucos, tu lhes deste no entanto um brilho e um calor que o sol em tanto tempo jamais conseguiu dar.
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Se falavam de amor, ele entreabria um sorriso, tirava os óculos, piscava e, depois de alguns momentos em que seu rosto parecia remoçar vinte anos, punha de novo os óculos, através de cujas lentes se via o indício de duas lágrimas, e dizia baixinho “o amor…”, enquanto as rugas voltavam a se desenhar, ali onde tinha estado o breve brilho da memória.
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Quando a literatura é considerada apenas brilho, é fácil. Acende-se um fósforo e, por um instante, qualquer estrela parece pálida diante dele. É um truque antigo, que conta com a conivência dos leitores. Estes precisam aprender a exigir dos escritores um brilho que dê ao menos uma impressão de eternidade.
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Provérbios parecem certos senhores pernósticos e presumivelmente sábios cujo brilho, no final das contas, se estiver em algum lugar, será no cabelo pintado ou na exuberante fatiota.
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No sabe ainda o que vai dizer à Morte. Às vezes acha que, pelo tempo dedicado à literatura, será conveniente que suas palavras finais tenham certa pompa, talvez até algum brilho. Mas ultimamente vem pensando que será melhor esquecer o formalismo e, pelo bem e pelo alívio que ela lhe trará, olhar a Morte com gratidão e dizer-lhe simplesmente obrigado, minha amiga.
Raul Drewnick

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