segunda-feira, novembro 10

O do sol e outros brilhos

Como eu gostaria de te dizer coisas simples, de te mandar um bom-dia, de te desejar um sol pleno como uma laranja à qual tu, menina que és, tivesses mais direito que ninguém e pudesses colher ficando na ponta dos pés. Como eu gostaria de te dizer que tenho pensado em ti com uma ternura que é talvez meu mais nobre sentimento e que me torna melhor diante dos meus próprios olhos. Como eu gostaria de te dizer que aqui está quente, ou está frio, ou nem quente nem frio, essas coisas que costumamos dizer para dar um descanso àquelas palavras que em nossos pensamentos ou em nossos lábios a todo instante se alvoroçam para exprimir o amor. Como eu gostaria de te dizer tudo que te digo sempre, mas com um pouco mais de brilho e arte, não para me enaltecer nem para me gabar, mas porque brilho e arte te cairiam bem melhor, minha amiga, do que minha desajeitada singeleza.

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Posso eu sair à rua, olhar para o alto e declamar uma ode ao sol, para agradecer o brilho e o calor que ele me proporcionou nos tantos e já quase inumeráveis dias de minha vida? Diriam que sou louco. E eu me queimo diariamente com a vontade de sair à rua e declamar a ode, que também para ti gostaria de declamar, e ainda com maior veemência, porque, tendo ensolarado alguns dos meus dias, tão poucos, tu lhes deste no entanto um brilho e um calor que o sol em tanto tempo jamais conseguiu dar.

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Se falavam de amor, ele entreabria um sorriso, tirava os óculos, piscava e, depois de alguns momentos em que seu rosto parecia remoçar vinte anos, punha de novo os óculos, através de cujas lentes se via o indício de duas lágrimas, e dizia baixinho “o amor…”, enquanto as rugas voltavam a se desenhar, ali onde tinha estado o breve brilho da memória.

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Quando a literatura é considerada apenas brilho, é fácil. Acende-se um fósforo e, por um instante, qualquer estrela parece pálida diante dele. É um truque antigo, que conta com a conivência dos leitores. Estes precisam aprender a exigir dos escritores um brilho que dê ao menos uma impressão de eternidade.

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Provérbios parecem certos senhores pernósticos e presumivelmente sábios cujo brilho, no final das contas, se estiver em algum lugar, será no cabelo pintado ou na exuberante fatiota.

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No sabe ainda o que vai dizer à Morte. Às vezes acha que, pelo tempo dedicado à literatura, será conveniente que suas palavras finais tenham certa pompa, talvez até algum brilho. Mas ultimamente vem pensando que será melhor esquecer o formalismo e, pelo bem e pelo alívio que ela lhe trará, olhar a Morte com gratidão e dizer-lhe simplesmente obrigado, minha amiga.
Raul Drewnick

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