sábado, outubro 22

O)s tesouros escondidos nas grandes bibliotecas particulares de Curitiba

O ex-presidente do Tribunal de Justiça do Paraná Miguel Kfouri Neto já chegou a trazer da França 33 quilos de livros – pagos em várias prestações – para completar sua coleção particular.

Paulo Venturelli, professor aposentado da Universidade Federal do Paraná, comprou um apartamento que é habitado por 15 mil seres fantásticos: seus livros. Ele faz questão de os separar por país de origem.

O Caderno G visitou estes templos construídos por meio de décadas de investimento e dedicação. Veja a seguir o que guardam em suas estantes e o que motiva os donos de grandes bibliotecas particulares de Curitiba a manter milhares de obras em suas casas.

Paulo Venturelli – Um apartamento só para os livros

“Quando eu era adolescente, eu tinha um professor que dizia: para ser inteligente, é preciso ler um livro por semana”. O conselho dado ao professor aposentado da Universidade Federal do Paraná Paulo Venturelli foi mais do que seguido à risca. Foi necessário para lá de um livro por semana para encher as estantes do apartamento comprado exclusivamente para abrigar sua biblioteca. Hoje já são 15 mil livros de um acervo que continua crescendo.

O primeiro exemplar ele guarda até hoje: Boitempo, de Carlos Drumond de Andrade, adquirido em 1968 com o dinheiro do almoço do dia. “Almoçar eu almoçaria no dia seguinte. Já o livro poderia não estar mais lá”, recorda.

Assim como essa obra de grande valor pessoal, qualquer outra, entre as milhares, pode ser encontrada “no escuro” pelo professor. Ele sabe onde está cada um dos livros, que ficam separados por país: Brasil, Inglaterra, França, Índia, Japão, Turquia e tantos outros. Os títulos, além de literatura, abordam história, política, futebol e tantos outros também. Tem livros que já leu dez, quinze vezes. “Cada livro que leio é uma vida nova, um universo novo. Tenho uma vida que se renova a cada dia sem o peso da mesmice”.

Entre temas atuais e de seu interesse, alguns são apenas resgate das lembranças da adolescência. Da trilogia da autora francesa Raoul de Navery, que havia lido quando estava no colégio interno, faltava o primeiro volume “Sepultada Viva” que finalmente conseguiu em um sebo. Veio com uma dedicatória datada de 1952 de uma madre para uma aluna. Esse é um dos que ainda hesita em reler. Receia que o encanto produzido pela leitura na adolescência não se repita.

Venturelli também é doutor em literatura, membro da Academia Paranaense de Letras e tem cerca de 20 obras publicadas.

Miguel Kfouri Neto – 33 quilos de livros

/ra/pequena/Pub/GP/p4/2016/10/12/CadernoG/Imagens/Cortadas/Biblioteca Miguel04Daniel Castellano-k0TC-U201000404487rsC-1024x683@GP-Web.jpg
Grandes referências do direito nacional e internacional podem ser encontradas na biblioteca do desembargador e ex-presidente do Tribunal de Justiça do Paraná Miguel Kfouri Neto. O acervo foi sendo montado ao longo de mais de 30 anos com clássicos, lançamentos, obras esgotadas, periódicos e tudo o que poderia ser relevante para o estudo do direito. A biblioteca chegou a ter 9 mil exemplares, contando as revistas de jurisprudência, mas hoje tem “apenas” cerca de 3 mil, incluindo outros temas.

Leitor voraz, Kfouri Neto tem formação em letras e foi professor de português. Mas o vício em comprar livros começou depois de ser aprovado no concurso para magistratura, em 1984. Entre as principais aquisições estavam obras usadas como referência em acórdãos dos tribunais ou citações em petições. “Não sossegava enquanto não adquiria tal livro, se já não o tivesse, para conferir a transcrição”, revela.

Também ia colecionando exemplares para utilizar nas aulas de direito processual civil que lecionava, para o mestrado, doutorado e para os três livros que publicou relacionados ao direito médico e da saúde. Esse tema ocupa em torno de 20% do espaço da biblioteca.

A certa altura, quando ainda morava no interior, sua esposa proibiu a entrada de vendedores de livros em sua casa. “Eu tinha que ver os livros na esquina, longe dos olhos dela”, lembra.

Quando veio a Curitiba teve que ir se desfazendo de uns tantos “com dor no coração”, pois a situação ficara insustentável. Hoje eles ainda ocupam mais de um cômodo da casa, além da biblioteca, contrariando a advertência contida no primeiro livro que leu na magistratura: “De regra, nossas casas e apartamentos já não tem lugar para bibliotecas, além disso, a grande biblioteca é um luxo caro e desnecessário” – A Voz da Toga, Eliézer Rosa.

Biblioteca Roberto Campos 

Entrar na sala Roberto Campos, da biblioteca da Universidade Positivo, é como invadir uma parte do universo particular de um dos maiores economistas que o Brasil já teve. Roberto Campos morreu em 2001 e deixou um acervo de mais de 8 mil obras com anotações e dedicatórias que podem ser consultadas pelo público.

Sua vasta coleção de livros foi disputada por várias instituições, sendo, ao final, adquirida pelo Grupo Positivo que não revela o valor pago. O acervo está aberto para consulta pela comunidade em geral, mas não pode ser emprestado.

Admirado pela inteligência e pelo conhecimento na área econômica, Campos foi ministro, embaixador e escritor. Em sua gestão nasceram o Banco Central, o FGTS, a caderneta de poupança. Implementou reformas, elaborou programas de governo, foi também senador, deputado e deixou uma série de outros legados.

Observando as prateleiras, descobrirá seu interesse pelos mais variados assuntos e grande inclinação pelas biografias. A quantidade de dicionários também impressiona. Um deles, o “Novo dicionário da língua portuguesa”, de Jânio Quadros, conserva a dedicatória do autor: “Ao embaixador Roberto Campos, mesmo sabendo que a obra lhe é supérflua”.

As obras de autoria de Campos também estão disponíveis no acervo. O economista Gustavo Franco foi um dos frequentadores assíduos do local, que serviu de fonte de pesquisa para o seu livro “A leis secretas da economia: revisitando Roberto Campos e as leis do Kafka”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário