segunda-feira, outubro 10

'O nome da rosa'

Publicado em 1980, “O nome da rosa” sem dúvida compõe a lista de “leituras indispensáveis” aos fãs de romance policial, que iniciei nas colunas anteriores. A obra, que popularizou mundialmente o trabalho do italiano Umberto Eco, mereceu ainda adaptação cinematográfica de Jean-Jacques Annaud, com Sean Connery e Christian Slater nos papéis principais.

Com espírito lógico-dedutivo tipicamente sherlockiano, o frade Guilherme de Baskerville, assessorado pelo noviço Adso, chega a um mosteiro franciscano em 1327 para investigar uma suspeita de heresia. A missão é interrompida por excêntricos crimes: em sete dias, sete monges são violentamente assassinados. No tortuoso ambiente de uma abadia da Idade Média, as causas do crime enveredam por questões religiosas ligadas à moral cristã, perpassam uma biblioteca secreta e atingem discussões filosóficas que, bem destiladas na trama, atraem pelo humor e pelo conhecimento oferecido.

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Cena do filme homônimo, com Sean Connery
Além de escritor, Umberto Eco era filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo. Em verdade, sua carreira dá uma boa história: reconhecido acadêmico, autor de obras de semiologia (“Viagem na irrealidade cotidiana”) e teoria da comunicação (“A obra aberta”), Eco surpreendeu o mercado editorial com seu romance detetivesco “O nome da rosa”, que, apesar da linguagem rebuscada e da temática filosófica, fez enorme sucesso entre os leitores. Em uma narrativa com ritmo de thriller, o autor levanta discussões edificantes, abrindo oportunidade a reflexões de conceitos como certo e errado, bem e mal. A narrativa é composta de discursos de filosofia, teologia e história medieval, além de passagens em latim — não traduzidas. O leitor precisa lidar com tais “obstáculos” para chegar à solução do mistério.

A proposta aqui não é realizar uma análise do texto, mas sim encará-lo sob o prisma policialesco: o noviço Adso, uma espécie de Dr. Watson, é o narrador da história e separa os capítulos por horas do dia, e não apenas por dias. Tal opção narrativa confere maior agilidade à trama, mesmo nos momentos de farta descrição. Além disso, confirmando uma tendência do romance policial moderno, o noviço Adso se mostra como uma figura mais interessante do que o próprio “investigador principal”, o frade Guilherme. Eco aproveita ainda o ambiente da abadia medieval para criar um clima de neblinas e brumas, recurso comumente utilizado por autores policiais para elevar o suspense das histórias.

“O nome da rosa” abriu caminho a um estilo de romance policial que mescla a agilidade narrativa do gênero com uma bagagem de conhecimento científico ou histórico. Chamado de historical crime fiction nos Estados Unidos, este subgênero tem merecido a atenção de diversos autores. “O código Da Vinci” e “Anjos e demônios” (Ed. Sextante), do americano Dan Brown, têm claramente a obra de Umberto Eco como base. No entanto, ainda que sejam bons romances policiais, os livros de Brown pecam ao conceder ao leitor uma falsa sensação de aprendizado.

Voltando a atenção ao romance policial italiano (lá chamado de giallo devido a uma série policial dos anos 1940 publicada em capas amarelas), o leitor encontrará farto acervo para seu deleite. Entre os melhores, está o comissário Salvo Montalbano, criação do escritor Andrea Camilleri. As aventuras de Montalbano, quase todas publicadas no Brasil na falecida “Coleção negra” da editora Record, são ambientadas na fictícia cidade de Vigàta, na Sicília. Com franca inspiração no Maigret de Simenon, o autor apresenta a culinária, o humor, o dialeto, e, principalmente, o espírito siciliano, desde as donas de casa cozinheiras até a teia de corrupção da máfia. Tais aspectos culturais tornam a leitura uma delícia.

Ao Norte, Donna Leon ambienta as histórias de seu comissário Guido Brunetti em Veneza, passando por cadáveres encontrados em canais (“Morte em terra estrangeira”) e crimes cometidos em pontos turísticos (“Morte no Teatro La Fenice”), ambos da editora Companhia das Letras. Ainda que as tramas não sejam muito rebuscadas, a narrativa da autora é fluida e agradável, descortinando uma cidade que vive no imaginário de todos.

Mais recentemente, o grande sucesso italiano é Giorgio Faletti, autor de thrillers estilo norte-americano como “Eu mato”, “Eu sou Deus” e “Memórias de um vendedor de mulheres”, da editora Intrínseca. Menos populares — e quiçá melhores —, merecem atenção os romances “Sempre caro” e “Sangue no céu” (editora Record), de Marcello Fois. O trabalho de Fois se afasta do policial clássico para fazer uma investigação intimista: o foco está nas defesas judiciais realizadas pelo personagem principal, o advogado Bustianu. Longe de realizar um thriller jurídico, interessa a Fois o processo interior do advogado, que busca desvelar a verdade acima de tudo, inclusive do benefício de seus clientes.

Após o “O nome da rosa”, Umberto Eco publicou sucessos como “O pêndulo de Foucault” e “O cemitério de Praga”. Felizmente, seus trabalhos serviram para aumentar o interesse mundial pela literatura policial italiana. Assim, pudemos ter acesso a diversos autores fabulosos da bota europeia. Recomendo fortemente que, ao viajar para Itália, você escolha alguns dos livros citados para colocar na mala. Não basta provar dos sabores: a viagem é muito melhor quando se prova também da literatura e do mistério.

Raphael Montes

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