terça-feira, outubro 25

Assim começa o livro...

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Nossa família sempre foi muito unida espiritualmente. Papai morreu afogado num acidente de barco quando éramos pequenos e mamãe costuma dizer que nossas relações familiares possuem um tipo de permanência que jamais voltaremos a encontrar. Embora eu não pense frequentemente na família, quando lembro de meus parentes, da área da costa em que viviam e do sal marinho que faz parte de nosso sangue, fico feliz em saber que sou um Pommeroy — que herdei deles o nariz, a cor da pele e a promessa de longevidade. Não que sejamos uma família de estirpe, porém, quando estamos juntos, nos permitimos a ilusão de que os Pommeroy têm algo de especial. Não digo isso porque me interesse pela história da família ou por dar grande importância a essa sensação de sermos especiais, mas apenas para deixar claro que somos leais uns com os outros a despeito de nossas diferenças e que qualquer ruptura nessa lealdade constitui uma fonte de dor e confusão.

Somos quatro filhos: minha irmã Diana e três homens — Chaddy, Lawrence e eu. Como ocorre com quase todas as famílias depois que os filhos passam dos vinte anos, fomos nos separando por conta dos empregos, dos casamentos e da guerra. Helen e eu agora moramos em Long Island com nossos quatro filhos. Sou professor numa escola secundária e, se já não tenho a pretensão de chegar a diretor, admiro o trabalho que faço. Chaddy, que se deu melhor do que qualquer um de nós, vive em Manhattan com Odette e seus filhos. Mamãe mora na Filadélfia e Diana ficou na França após o divórcio, só voltando aos Estados Unidos no verão para passar um mês em Laud’s Head. Laud’s Head é um local de veraneio numa ilha de Massachusetts. Onde antes tínhamos apenas uma cabana de praia, papai construiu na década de 20 uma casa bem grande no alto de um promontório. Com exceção de Saint-Tropez e de algumas cidadezinhas nos Apeninos,aquele é meu lugar predileto no mundo. Todos nós temos uma parcela da propriedade e contribuímos para sua manutenção.

Nosso irmão mais moço, Lawrence, que é advogado, se empregou numa firma de Cleveland depois da guerra e ficamos quatro anos sem vê-lo. Quando decidiu se mudar para Albany, escreveu a mamãe dizendo que, antes de começar a trabalhar na nova firma, passaria dez dias em Laud’s Head com a esposa e os dois filhos. Sua estada lá coincidiria com a época em que eu havia planejado tirar férias com Helen depois de terminadas as aulas do período de verão. Como Chaddy, Odette e Diana também iam para lá naqueles dias, toda a família estaria reunida. Lawrence é o membro da família com quem todos os outros têm menos em comum. Nunca convivemos muito com ele e suponho que por isso ainda o chamemos de Tifty — apelido que ganhou na infância porque, quando vinha pelo corredor para tomar o café da manhã, seus chinelos faziam um ruído semelhante ao som daquela palavra. Era assim que papai o chamava, e todos passaram a fazer o mesmo. Quando ele cresceu, Diana às vezes o chamava de Menino Jesus e mamãe, frequentemente, de Resmungão. Embora não gostássemos de Lawrence, aguardávamos seu retorno com um misto de apreensão e lealdade, somado à alegria e ao prazer de recuperar um irmão.

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