quinta-feira, março 12

A um livro esquecido na estante

Não se desespere, é assim mesmo. Veja que liberdade tão estranha e sem limites. Ninguém para vasculhar entre suas páginas à procura disto ou daquilo. Ninguém vindo se servir de você para dar de comer a interesses próprios e alheios. Veja que agora não é mais aquele hiato de vaga distração do leitor que guarda o livro apenas para recuperá-lo mais tarde. Agora é diferente, é uma calma densa, profunda, acobertada pela poeira. Aproveite esse destempo. Você nem precisa da vaidade contrária de se sentir especialmente injustiçado. Quantos tão melhores, ou, ao menos, tão bons quanto você, foram esquecidos. Já sabia nosso finado Brás Cubas que, por mais que tarde, não falha “o estribeiro OBLIVION”. Está certo que existem livros que parecem jamais cair no esquecimento, o próprio Brás Cubas sendo ressuscitado ad infinitum, lazarento. Mas agora que não lhe prestam mais atenção, agora que você mesmo pode se desocupar de estar aí, veja quantas palavras correndo de cá para lá, se atropelando, se debatendo, até não surtirem mais efeito. Quem sabe, fechado, relendo a si mesmo a cada linha, você rogue pelo arremate final das traças e dos cupins. Mas deixe de tragédia… Quem sabe ainda se ressinta de uma saudade específica, de um certo leitor, uma certa leitora, que um dia amou você de um jeito muito pouco acadêmico. Pode acontecer que venha outro alguém assim, um dia, como que acidentalmente, como quem caminha sobre um sítio arqueológico sem saber. Alguém que tropece em você, sim, pode acontecer. Mas deixe de engodos messiânicos…liberte-se disso também. Você ainda nem conhece o buraco negro da história. Suba âncora, meu amigo. Aproveite.
Mariana Ianelli

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