terça-feira, março 31

Depois de muitos dias...

Depois de muitos dias de névoa seca, vieram as chuvas. Fazia um friozinho de inverno em país tropical ou de começo de outono em país temperado. Quinta-feira o dia deu novamente em chuvoso, com as nuvens escuras ameaçando um fim de semana enevoado. Ventos altos, no entanto, espancaram as nuvens para longe e o céu deu estrelas claras e uma lua fulgurante. Os que olhavam para o céu sentiram de súbito a falta que lhes faziam, sem que o notassem, os astros luminosos.

Na manhã de sexta, o sol se abriu. Na praia, havia pouca gente. Em Ipanema, no espaço já determinado pelos cronistas sociais como “bem” para a frequência de pessoas elegantes, não se via um só grã-fino. No lugar deles, havia um bando de pessoas diferentes: mocinhas ainda mal arrumadas dentro de seus corpos, gordas já repousadas dentro das banhas, três rapazes e um menino. As mulheres, pudemos contá-las, eram 22. A um canto, perto do paredão, se amontoavam roupas e bananas. Não era preciso nenhuma argúcia para ver que na manhã de sexta-feira, uma família suburbana, esquecendo os compromissos e os aborrecimentos, recebera com toda a simplicidade e exaltação o milagre do sol. A dona da casa, aquela mais sacudida de carnes, mãe de uma meia dúzia daquelas meninas, abriu uma janela, viu a luz cantando nas árvores, e sentiu uma coisa. A coisa era antilógica, doida, mas forte e inelutável como um desejo de amor.

“Hoje vamos todos tomar banho de mar em Ipanema.”

As meninas correram a buscar suas roupas de banho, já sem uso há muitos outros meses, fora de moda há alguns anos, e por isso mesmo eternas e cheias de poesia em seu colorido desbotado.

“Telefona para Juca; fala com ele para trazer o ônibus”. Juca, aquele de calção mescla, tinha um ônibus velho.

Outros telefonemas foram dados, convocando parentes e amigos da vizinhança. O lirismo, decididamente, tinha visitado o subúrbio na manhã de sexta-feira.

Ei-las agora em Ipanema, como um bando de marrecas alegres na água fria. Não sabem comportar-se, não sabem andar, não sabem pentear-se. Sabem apenas viver. Gritam de contentamento, correm umas atrás das outras, espapaçam-se sem poses na areia morna. Nos intervalos, comem bananas e sorriem. Enquanto isso, as sombras dos grã-finos ausentes, desagradadas com o alvoroço, vaiam a vida.

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