sexta-feira, setembro 30

A morte do funcionário

Juliano Lopes
Em uma noite esplêndida, o não menos esplêndido funcionário encarregado de seção Ivan Dmítritch Tcherviakov estava sentado na segunda fileira do teatro e assistia pelo binóculo à apresentação de Os sinos de Corneville. Olhava e se sentia no auge da bem-aventurança. Mas, de repente... Nas narrativas, encontra-se com frequência esse “mas, de repente”. Os autores estão certos: a vida é tão cheia de acontecimentos inesperados! De repente, seu rosto enrugou, os olhos reviraram, sua respiração parou... Ele afastou o binóculo dos olhos, inclinou-se para a frente e... atchim!!! Espirrou, como vocês perceberam. Não se proíbe a ninguém e em parte alguma de espirrar. Camponeses e chefes de polícia espirram, e às vezes até conselheiros secretos espirram. Todo mundo espirra. Tcherviakov não ficou nem um pouco embaraçado; enxugou-se com o lenço e, sendo um homem educado, olhou em volta para ver se havia incomodado alguém com seu espirro. Mas então foi inevitável que ficasse atrapalhado. Ele viu que um velhinho, sentado à sua frente, na primeira fileira, enxugava cuidadosamente a careca e o pescoço com a luva e resmungava alguma coisa. Tcherviakov reconheceu no velhinho o general civil Bryzjálov, funcionário do departamento de viação.

“Eu cuspi nele!” – pensou Tcherviakov. – “Não é meu chefe, é de outro departamento, mas mesmo assim é embaraçoso. Tenho de pedir desculpas.”

Tcherviakov deu uma tossidinha, inclinou o tronco para frente e sussurrou no ouvido do general:

– Perdoe-me, Excelência, eu espirrei no senhor... Foi sem querer...

– Não foi nada, não foi nada...

– Pelo amor de Deus, me perdoe. Pois... eu não queria!

– Ah, sente-se, por favor! Deixe-me ouvir a cena!

Tcherviakov ficou confuso, sorriu com ar apalermado e olhou para o palco. Ele assistia à peça, mas já não sentia a mesma bem-aventurança. A preocupação começou a torturá-lo. No intervalo, aproximou-se de Bryzjálov, ficou andando por perto dele e, vencendo a timidez, balbuciou:

– Eu espirrei no senhor, Excelência... Perdoe-me... Eu... não tinha a intenção...

– Ah, já chega... Eu já esqueci, mas o senhor continua a falar no assunto! – disse o general, mexendo com impaciência o lábio inferior.

“Ele diz que esqueceu, mas tem maldade no olhar” – pensou Tcherviakov, olhando desconfiado para o general. – “E não quer conversa. Era importante explicar para ele que não tive nenhuma intenção... que é uma lei da natureza, senão pode pensar que eu quis cuspir nele. Pode não pensar agora, mas depois vai pensar!...”

Chegando em casa, Tcherviakov contou à mulher sua grosseria. Mas lhe pareceu que ela reagiu de modo muito leviano ao ocorrido. Apenas levou um susto, porém depois, quando soube que Bryzjálov não era do departamento do marido, sossegou.

– Apesar de tudo, vá procurá-lo e peça desculpas – disse ela. – Senão ele vai pensar que você não sabe se comportar em público.

– Mas aí é que está! Eu me desculpei, mas ele agiu de modo estranho... Não disse nem uma palavra que prestasse. E não houve tempo para conversarmos.

No dia seguinte, Tcherviakov vestiu seu novo uniforme de serviço, cortou o cabelo e foi procurar Bryzjálov para se explicar. Ao entrar na ante-sala, viu ali muitos solicitantes e entre eles o próprio general, que já tinha começado o atendimento. Após interrogar alguns solicitantes, o general levantou os olhos para Tcherviakov.

– Ontem, no “Arcádia”, se Vossa Excelência se recorda – começou a expor o encarregado de seção –, eu dei um espirro e... sem querer, respingou... Peço desc...

– Quanta bobagem... Só Deus sabe o que é isso! O senhor, o que deseja? – disse o general, dirigindo-se ao próximo solicitante.

“Não quer conversar!” – pensou Tcherviakov, empalidecendo. – “Significa que está com raiva... Não, isso não pode ficar assim... Hei de lhe explicar...”

Quando o general terminou o atendimento ao último solicitante e se dirigiu às dependências internas, Tcherviakov foi atrás dele e começou a balbuciar:

– Excelência! Se ouso incomodá-lo, é precisamente pelo sentimento de arrependimento, posso lhe assegurar!... Não fiz de propósito, o senhor sabe disso!
O general fez uma expressão de choro e um gesto de pouco caso com a mão.

– O senhor simplesmente está zombando de mim, cavalheiro! – disse ele, sumindo atrás da porta.

“Onde ele viu zombaria?” – pensou Tcherviakov. – “Não houve zombaria nenhuma! É um general, mas não consegue compreender! Se é assim, não vou mais me desculpar com esse fanfarrão! Que vá para o diabo! Vou lhe escrever uma carta, mas não o procuro mais! Juro, nunca mais!”

Esses eram os pensamentos de Tcherviakov enquanto ia para casa. Mas a carta para o general ele não escreveu. Pensou, pensou e não conseguiu redigi-la. Foi necessário ir pessoalmente se explicar no dia seguinte.

– Ontem vim incomodá-lo – balbuciou Tcherviakov, quando o general o olhou interrogativamente –, não para zombar de Vossa Excelência, como se dignou a afirmar. Eu estava pedindo desculpas porque espirrei e atirei respingos... e nunca pensei em zombar. Ousaria eu fazer uma zombaria? Se isso acontecer, significa que não haverá mais nenhum respeito para com as pessoas...

– Fora daqui! – vociferou o general, já azul e tremendo.

– O que, senhor? – sussurrou Tcherviakov, entorpecido de pavor.

– Fora daqui! – repetiu o general, sapateando.

Algo rebentou dentro da barriga de Tcherviakov. Sem conseguir ver nem ouvir nada, ele recuou até a porta, saiu para a rua e foi embora arrastando-se. Chegou maquinalmente em casa, deitou-se no divã sem tirar o uniforme e... morreu.
Anton Tchekhov, "A dama do Cachorrinho e Outras histórias"

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