sexta-feira, janeiro 6

O nevoeiro

Não se enxerga nada além de uns poucos metros. A bruma abafada recobre todo o barco. Pedro aguça os ouvidos para superar com a audição as limitações da visão. O mar é imenso, mas se torna incrivelmente pequeno quando outra embarcação se aproxima em um nevoeiro. Navega-se pela bússola, mas sem saber ao certo se ventos, correntes e marolas jogam o barco mais para um lado ou outro. Alinha-se a proa com o Oeste e segue-se, atento ao momento em que se espera ver – ou ouvir – algum sinal de terra.


Pedro pesca desde criança. Aprendeu com o pai, que aprendeu com o avô, que aprendeu com o pai dele. Pensa que aprendeu a navegar antes mesmo de aprender a andar. Claro que é exagero, mas gosta de pensar que é verdade. Ao menos em seu coração, é verdade.

O mar, para ele, é mais firme que a terra firme. Sua fluidez não o incomoda. Antes, embala, como se acrescentasse ritmo e um estranho equilíbrio à sua existência. Em terra, tropeça nos mais infames obstáculos. O mar é sua terra, seu país, seu lar.

Mas tem, como todos os outros pescadores, uma casa em terra. Há amores nela. E suas poucas coisas. Mas também é lá o lugar dos tormentos de Pedro. Os perigos do mar estão no clima e nas falhas materiais que podem matá-lo. Em terra, os riscos são mais numerosos e traiçoeiros. Há a fome, a violência de seus semelhantes, as burocracias do poder que ele não entende, mas entende o que o poder quer dele. Há o medo da pobreza, do escárnio, do desprezo, de ser excluído e sofrer as consequências de depender da incerteza dos afetos de gente que ele mal conhece, mas que sempre age como se o conhecesse muito bem.

No mar, tudo é mais simples. Há o navegar, o vento, a água, os peixes, o barco e suas engenhocas de navegar e sobreviver. É tudo pouco, mas é tudo de que precisa. Na terra, há muito mais a ter e a se preocupar e isto lhe é atordoante. Mesmo assim, navega em meio ao nevoeiro. Mesmo assim, procura terra. “Volto como o peixe que busca a rede”, pensa.

Na terra viveu períodos muito ruins. Com gente indiferente, burra e bruta, com morte e muita violência. Viu gente brigando com gente desejando a morte de quem pensa diferente. Pedro sofreu de fome, doença e raiva. Mas ainda assim, volta para terra. Sempre volta. Voltar é sua sina.

Mas agora, ao menos, dizem que vai ser diferente. Há esperança em terra. No mar ela sempre está lá, na terra, às vezes se esconde. Talvez, nas águas, não tenha onde se ocultar. A esperança, desta vez, anima Pedro. Mas ele sabe que o nevoeiro que cega no mar, também cega em terra e, no final, nunca sabemos ao certo se o caminho que seguimos em nossa vida nos levará para onde nossa bússola diz que vai dar ou se alguma corrente nos lançará em uma rota desconhecida.

Ouviu ao longe explosões. “Fogos!” pensou. Olhou o relógio. Já é ano novo! Seguiu os estrondos em direção à terra. Pensou que no mar do tempo, sempre há nevoeiro quando se olha para o futuro e só o que temos para navegar são nossos sonhos, a esperança e, às vezes, os sons distantes da felicidade de uma gente sofrida que, apesar de tudo, espera do futuro sempre o melhor.

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