segunda-feira, outubro 2

A casa do pastor

Passar por essa bela casa desperta em mim uma áurea de saudade e de nostalgia. Saudade de silêncio, calma e burguesia, nostalgia de camas confortáveis, bancos de jardim e olores de cozinha saborosa. Mais ainda, saudade de uma biblioteca, de tabaco e de velhos livros. 

Para pessoas como eu, seria maravilhoso viver aqui e ser um pastor. Especialmente para alguém como eu.

Se fizesse tempo ruim, eu aqueceria intensamente a casa, e debruçado numa dessas lareiras azuis ou esverdeadas, de vez em quando, chegaria até a janela, balançando a cabeça comovido pelo tempo. Mas, pelo contrário, se o tempo fosse bom, eu permaneceria longamente no jardim, cortando e amarrando minhas videiras, ou chegaria até a janela escancarada e, de pé, ficaria olhando as montanhas cinzas e escuras retomarem sua cor rosada e brilhante.

Abreviando: nessa casa eu não seria nenhum pastor senão o mesmo, inofensivo e instável peregrino de agora. Não seria nunca um padre, mas, ora um teólogo fantástico, ora um gourmet tremendamente preguiçoso perseguindo as garrafas de vinho e as jovens damas, ora um poeta e um mímico, ora nostálgico com o pobre coração cheio de medos e amargura. 

Dá no mesmo, se eu fosse padre aqui ou vagabundo na rua, é tudo igual com exceção de algumas poucas coisas com as quais eu me importo muito. É sentir que a vida palpita em mim, quer seja na ponta da língua ou na planta do pé, quer seja no prazer ou na tortura, que meu espírito seja vivaz, que possa transformar-se em inúmeras fantasias e formas, em pastor e em peregrino, em cozinheira e em assassino, em crianças e em animais, principalmente em pássaros e árvores também. Isso é muito importante, isso eu quero e preciso para a vida, e se um dia não puder ser mais assim e eu tiver que viver na chamada "realidade", então preferirei morrer.
Hermann Hesse

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