terça-feira, outubro 17

Semeiam o descontentamento e a maldade

Dois terços da gente do meu país leem esta espécie de jornal; leem de manhã e à noite coisas escritas neste tom, são trabalhados permanentemente, incitados, açulados; semeiam-se neles o descontentamento e a maldade, e a meta final de tudo isso é outra vez a guerra, a próxima guerra, que já está chegando e que, sem dúvida alguma, será muito mais horrenda do que a última. Tudo isso é claro e simples, qualquer pessoa pode compreendê-lo; com uma hora de meditação todos poderiam chegar ao mesmo resultado. Mas ninguém quer agir assim, ninguém quer evitar a próxima guerra, quer livrar-se nem livrar a seus filhos das mortes aos milhares, nem quer parar por um instante e pensar voluntariamente. Uma hora de reflexão, um momento de entrar em si mesmo e perguntar pela parte da culpa que lhe cabe nesta desordem e na maldade que impera no mundo… mas ninguém quer fazê-lo! E assim tudo continua como estava e a próxima guerra vai-se preparando a cada dia que passa, com o auxílio de milhares e milhares de pessoas diligentes. Estas coisas sempre me desesperam: para mim não existe “pátria”, não existe “ideal” algum. Tudo isso não passa de frases inculcadas por aqueles que preparam a próxima carnificina. Não tem sentido pensar ou escrever algo que seja humano, de nada vale ter boas ideias na mente… são duas ou três pessoas que agem assim; em compensação, há milhares de jornais, de revistas, de conferências, reuniões públicas ou secretas que, dia após dias insistem no contrário, e acabarão por alcançá-lo.

Hermínia permaneceu ouvindo com interesse.

- Sim - disse em seguida -, você tem razão. Naturalmente, haverá outra guerra; não é preciso ler nos jornais para saber. É certo, embora isso nos entristeça, que o homem, apesar de tudo e de todos, apesar do que possa fazer, o homem tem inevitavelmente de morrer. A luta contra a morte, meu caro Harry, é sempre uma coisa bela, nobre, prodigiosa e digna, da mesma forma que a luta contra a guerra. Mas há de ser sempre uma quixotada sem esperanças.

- Talvez seja verdade - exclamei enérgico -, mas com verdades semelhantes a esta de que temos todos de morrer e que, por conseguinte, tudo é igual é que convertemos a vida em algo monótono e estúpido. Desta forma teremos de renunciar a tudo, ao espírito, às aspirações; teremos de destruir a humanidade, teremos de permitir que reine o egoísmo e o dinheiro e esperar a próxima guerra com um copo de cerveja à mão.

Hermann Hesse, "O Lobo da Estepe"

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