domingo, dezembro 10

Mundo sem poesia é imundo

A realidade da vida, em si mesma, não se sustenta.

O ser humano é mais que um organismo que precisa de comida, roupa, sono e ar.

As pessoas são famintas de carinho, ficam frias sem o cobertor da esperança, não dormem direito apenas com os braços de travesseiros, e querem, sempre, voar nos pensamentos. Respirar não basta, não preenche. Queremos inspiração para criar, amar, repartir. Aspiramos ser um outro ser, o que não somos podemos imaginar.

Nem o macaco no zoológico aguenta as limitações, por mais bem tratado que seja. Claro que ele trocaria de bom grado a sua jaula pela liberdade da floresta.

Deixamos para amanhã a luz que poderíamos ter ainda hoje. Nos assusta a poesia que iluminaria o túnel escuro em que nos arrastamos.

Nós, os macacos evoluídos, temos a dor e o prazer de querer romper limites. E procuramos desesperadamente achar a chave da gaiola da civilização.

A chave está dentro da gente. Sabemos disso. Mas dá trabalho procurar com afinco. Dói nos conhecermos.

Daí desistimos com facilidade.

E preferimos ficar macaqueando a farsa que a realidade externa nos mostra como felicidade.

Triste espelho distorcido esse do dia-a-dia em que nos miramos para ajeitar o sorriso no rosto enquanto a alma chora.

E vamos dançar, vamos para a balada. A música é alta para atordoar, a bebida forte para alterar rápido, e os corpos se juntam hoje para se desjuntarem amanhã cedinho como copinhos descartáveis de café.

Queremos amor, claro. Só queremos e não temos porque, como todos, não desenvolvemos a delicadeza da entrega, da generosidade, do gosto pelas diferenças, pelas descobertas lentas, cautelosas e profundas.

Os poemas escancarados de amor, de paixão, de entrega, de renúncia ao seu próprio umbigo, vão rareando, encolhendo, sumindo.

Poema de amor não enche barriga, dizemos. Nem ajuda a conquistar beltrana, a impressionar fulano.

E seguimos assombrados e sozinhos e surpresos porque contas bancárias, academias de ginástica e carro novo, também não conseguem nos tirar de nossa solidão.

Nos contentamos com prazer sexual sem nunca chegar ao orgasmo espiritual, cósmico, que um simples e poderoso verso proporciona.

E assistimos o noticiário para que este nos confirme que a poesia é inútil.

Claro que nenhum bandido gosta de poesia. O poema é o território do humano, do sensível, do compartilhar. Nada a ver com o território sangrento de sua violência.

Poderosos também não são chegados. Poesias insistem, frequentemente, em lembrar que existe todo um povo em redor deles, com seus apelos e urgências. Então, a política fica sendo a chatice, o tédio, o exercício vazio da crueldade. Falta o sonho.

Política sem sonho é apenas um discurso.

Demoramos milênios para adquirir o dom da fala. Séculos para dominarmos a escrita.

Aprendemos a registrar em letras aquilo que estava engasgado na garganta imaterial de nosso íntimo.

Frase após frase, passamos pela vida a procurar uma resposta.

E todas as respostas estão ali, na nossa frente. São muitas porque muitas são nossas perguntas.

Mas uma dessas respostas foi feita para nós por um de nossos semelhantes. A mesma coisa que nos inquieta também afligiu algum poeta, em algum momento.

Teremos a coragem de ouvir?

Poesia não se destina a fracos. Antenados percebem que da fraqueza vem sua força.

Onde quer que se vá, um poeta já se atreveu a passar por lá. Pelos céus e pelos infernos de todos nós.

A tecnologia muda, os costumes mudam, mas o ser humano é o que sempre foi e será, nem muito melhor, nem muito pior que isso que está aí.

Dia a dia rima com poesia sim. Você decide. Abra um livro de poesia já. Antes que seja tarde.

Ulisses Tavares é, claro, poeta, mas não otário, mano.

Coloque o farol na popa e vá em frente!

Você é uma jangada. Frágil, qualquer onda mais forte balança e quase o afoga. Você é o condutor e o passageiro ao mesmo tempo, candidato ao naufrágio, lutando e rezando para voltar à praia.

Um país é um barco. Grande, mas nem sempre bem construído. E muito menos bem conduzido. O povo é apenas marinheiro cumprindo ordens.

A Terra é um navio. Imenso, farto, mas com os passageiros de primeira classe capazes de festejar e dançar enquanto ele afunda como um Titanic.

Jangada, barco e navio navegam pelas mesmas águas turbulentas da História, numa viagem que começou bem antes e não se sabe onde irá parar.

O futuro é uma incógnita, mas o passado é a bússola que pode nos indicar se estamos fora da melhor rota. Se pegamos o caminho errado.

E isso faz toda diferença.

Sua jangada, precária de corpo e alma, a qualquer momento será engolfada pela tormenta dos azares, do imprevisível. A felicidade é apenas um momento de calmaria entre horas de ventos cortantes.

As milhas já navegadas, porém, ensinam a prevenir desastres anunciados.

Olhe os que foram engolidos pelo Triângulo das Bermudas da existência humana: drogas, egoísmo, alienação.

Sem cuidar do corpo, você será uma casca de noz boiando no mar. Sendo egoísta, virará um homem solitário mesmo se rodeado de gente. Comprará tudo, menos o incomparável: amor, admiração, amizade. E, se alienando, será plateia perpétua, nunca ator no palco da vida. Vota, mas não apita nada.

Nosso barco País de vez em quando acerta o rumo do porto seguro. Mas, no mais das vezes, parece uma canoa furada onde impera o salve-se quem puder.

Novamente colocar o farol na popa, a parte de trás, em vez da popa, a parte da frente, nos ajuda a iluminar o hoje e clarear o possível amanhã.

O barco já começou a navegar errado, com uma elite ociosa e corrupta e sem nenhum apreço pela educação. São séculos de tirar riquezas e colocar pobrezas. Primeiro pelos portugueses, depois por nossa própria conta e escolha.

Nosso navio Terra, por sua vez, recebe insultos e devolve flores há milênios.

Mas está com seu casco avariado, sem combustível e superlotado. Sua única saída é sacudir-se e livrar-se da tripulação toda para continuar como no início dos tempos.

A esperança é que jangada, barco e navio encontrem uma corrente marítima segura para continuarem navegando.

Não temos como resolver com facilidade tão grave problema. Não dá para enfrentar a fúria de Netuno, o senhor dos mares, esquecendo de Juno, o deus do tempo.

Juno, aquele de duas faces da mitologia, uma olhando para a frente, outra voltada para o que passou.

A História, portanto o passado, é nosso manual prático de cabotagem.

O ser humano tem sido guerreiro, escravagista, fanático religioso e prepotente em todos os quadrantes e latitudes.

E sempre afundou sua jangada nas procelas da ambição.

Os governantes tem sido ora populistas, ora mentirosos, ora oportunistas.

E sempre afundaram o barco do povo em nome de seus mesquinhos interesses pessoais.

A Terra foi loteada em fronteiras bem delimitadas e guardadas. E essas fronteiras tem sido a justificativa para extrair o máximo de cada metro quadrado sem pensar no vizinho.

E, como a Terra é redonda, o navio de todos nós é o mesmo e afunda por inteiro.

Portanto, o axioma está formado, a Esfinge pronta a nos devorar se não dermos a resposta correta.

Sem conhecer o que já passamos, como iremos decidir onde será melhor passar?

A História não é algo estático, parado no tempo.

É um tsunami indo e vindo, se repetindo, como uma lição que ainda não aprendemos.

Comecemos pela jangada, passemos para o barco e chegaremos ao navio.

Sem ler História, de nossa vida, de nosso País, de nosso Planeta, estaremos perdidos.

E iremos ao fundo, sem a mínima ideia de porque fomos parar lá.
Ulisses Tavares

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