Dos problemas psíquicos que afligem o ser humano deste século a depressão é o mais freqüentemente citado e o mais difundido. Dados disponíveis indicam que, hoje, 15% da população mundial sofre de depressão, e há suposições de que 30% de todos os habitantes do planeta têm ou terão pelo menos uma vez na vida um período depressivo.
Afora os casos comprovadamente biológicos e até hereditários, nem todos os deprimidos o são por esses motivos. A depressão seria, para muitas pessoas saudáveis, um problema filosófico, ético e estético, um cansaço de ser si mesmo, um cansaço de estar vivo. Não é uma hipótese de todo absurda que o fenômeno depressivo deva-se muitas vezes a frustrações existenciais mal assimiladas, como a de não conseguir comprar um carro, ter sido reprovado num exame, perder o emprego, perder os pais, perder a capacidade de fazer amigos, carregar culpas anos a fio etc.
A solidão, o desamor, a ignorância, a desconfiança, o medo, o ressentimento são poderosos causadores de depressão, "doença", nestes casos, que nenhum antidepressivo pode curar. Numa sociedade regida pelo individualismo de massa, em que todos se sentem coletivamente sozinhos, amontoados nos prédios, elevadores, ônibus, ruas e shoppings, nada mais lógico do que cair na depressão, deixar de ver a beleza da vida, cansar-se de si mesmo, da humanidade, de tudo.
Sem subestimar as razões estritamente físico-químicas que atuam sobre nossos corpos e almas, muitas das nossas patologias psíquicas nascem da pura insuficiência de humanidade. Do puro desinteresse por valores humanizadores. O remédio, aqui, não é químico, é metafísico. E literário.
A anedonia existencial, essa indiferença perante tudo, é um dos sintomas típicos da depressão. Nada desperta o prazer de viver para quem viver é um desprazer, nem mesmo os mais requintados convites do hedonismo consumista que orienta hoje a mentalidade ocidental. A propósito, o hedonista é um sério candidato à anedonia, uma vez que a busca obcecada, ávida e insaciável de prazeres acaba por insensibilizá-lo para os pequenos e saudáveis prazeres do dia-a-dia. O hedonista quer conquistar o mare magnum, em que, afinal, morre afogado. A expressão "morrer de rir" revela aqui o seu lado trágico.
A insônia e a hipersônia são outros dois sintomas do mesmo problema depressivo, e muitas vezes mal interpretados como simples ansiedade ou mera preguiça. Não conseguir dormir ou dormir demais denunciam uma só realidade. O sono, momento em que "morremos" parcialmente para "ressuscitar" no dia seguinte, torna-se problemático. Ou não aceitamos "morrer" ou, por outro lado, não queremos "ressuscitar". Uma e outra atitude se encontram na incapacidade de acolher o ritmo da vida. A noite perde seu caráter de repouso: não dormimos. O dia perde seu caráter de luta: ficamos dormindo.
A irritabilidade é outro desses sintomas depressivos que os médicos por vezes interpretam mal, atribuindo-lhe causas de ordem puramente orgânica. Aborrecimentos sistemáticos, mau humor crônico, reações de raiva desproporcionais, enfim, trata-se de um quadro de enfezamento que, estando certa a etimologia, remete a um acúmulo interno de matéria podre, de "fezes espirituais" que não foram naturalmente expelidas e provocam um estado de ânimo e, a longo prazo, de desânimo, sobretudo para a própria pessoa que não sabe eliminar de sua vida o que deve ser eliminado. Falta-lhe aquele discernimento para assimilar as proteínas e expulsar as toxinas, assimilar a sabedoria, os valores, os símbolos, e expulsar os desgostos, as decepções e os equívocos.
Estar deprimido é estar comprimido por uma visão desumana de si mesmo e dos outros. Faltam-nos reservas de liberdade e de criatividade para não apenas suportar a vida, mas recriá-la; não apenas suportar-nos a nós mesmos, mas superar-nos. Neste sentido, o grande Prozac da vida (mesmo que precisemos tomá-lo, sob receita médica) é o abrir-se para a vida mesma, no que ela tem de mais estimulante. O ser humano é, na sua constituição íntima, um excêntrico, um ser que se realiza quando foge do seu centro, na sua obsessão por ser si mesmo, e se projeta amorosa e inteligentemente para o mundo. O narcisismo poderia ajudar a entender alguns diagnósticos de supostas depressões.
A escritora Lígia Fagundes Teles disse certa vez, numa de suas entrevistas, que se no Brasil houvesse mais livrarias haveria menos farmácias. Esta hipérbole tem algo, ou muito, de verdade. No Brasil e no mundo, se incentivássemos mais a reflexão ética, a sensibilidade poética, a compreensão filosófica, talvez precisássemos menos de remédios. Talvez usufruíssemos de uma excelente saúde, digamos, anímica.
A leitura lenta (mas não sonolenta) dos melhores autores, dos verdadeiros líderes da humanidade (poetas e filósofos sobretudo), pode atuar como terapia existencial. Atua, sim, como poderoso antídoto para uma vida envenenada pelo tédio que, em tempos de crise econômica, se acentua, já que o dinheiro, queiramos ou não, adia o momento do encontro entre o comprador de bugigangas e a vida tal como ela é.
Leia mais o artigo de Gabriel Perissé
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