domingo, março 15

As nuvens


Quando era o verão, no meu tempo de menino, gostava de olhar as nuvens trafegando no céu azul. Vinham das lonjuras do mar não muito longe da cidade. Da balaustrada do jardim, observava seus movimentos vagarosos, ora como grandes rochas brancas, ora como enormes cogumelos, ora como colchões brancos e macios. Às vezes estendiam lençóis compridos que flutuavam acima do rio. Faziam descer do céu suas figuras esboçadas, que ficavam sombreando o espelho das águas aqui embaixo.

Afastavam-se da cidade pela tarde em suas embarcações pesadas, provavelmente transportando gente e carga. Antes que as sombras da noite chegassem, ocultando a tarde abafada, elas contornavam um dos bairros populares da cidade, situado no outro lado do rio com suas casas acanhadas, construídas por gente humilde nas inclinações do morro. Lá se iam empurradas pelo vento mais alto, rumo às serras azuis que cercavam uma das partes da cidade.

Um dia vi o arco-íris descer de uma nuvem gorda acima da ilha e, lentamente, entrar no meio do rio. A seguir ele caminhou com as suas sete cores e ficou limpando o lodo das águas. Depois bebeu a água limpa na corredeira; certamente brincou com os peixinhos ariscos no leito raso, feito de areia brilhante, pedrinhas lisas e redondas.

De vez em quando elas inventavam gigantes que sumiam por trás dos morros. Desenhavam carneirinhos que subiam as ladeiras do céu. Mostravam velho de barba e cabelos longos, sentado no tapete que voava. Deixavam sair de um barco encalhado uns bichos feios, que desapareciam rápidos. No fim da tarde ofereciam-me flores, que de repente viravam pássaros luminosos de prata, numa mágica que somente elas sabiam fazer.

Rendilhadas, onduladas ou achatadas, convidavam-me a viagens imaginárias pelo azul do céu. Maravilhosas travessias em que eu sobrevoava continentes, mares, quintais e jardins de outras cidades. Sentia-me, nesses momentos, que somente eu era o cavaleiro rico entre os meninos de minha rua. Dono de castelos, que elas me davam de graça, ninguém duvidasse disso.

Mas não era somente da balaustrada do jardim o local em que eu ficava olhando paras as nuvens no céu límpido do verão. De calção e peito nu, deitava-me no pátio, e, com o rosto para o céu, demorava-me vendo elas passarem cheias de luz, em suas viagens diárias ao redor da terra.

Numa manhã em que o sol resvalava seus raios mornos por todos os cantos de nossa casa, o rosto de minha mãe apareceu na janela da cozinha. Depois de me perguntar se já tinha feito os deveres da escola e receber de mim a resposta afirmativa, ela se mostrou interessada em saber o que era que eu estava conversando com as nuvens daquela vez. Disse que estava querendo saber delas se quando crescesse e me tornasse um homem poderia retornar ao mundo da infância para brincar com os meus amigos nas aventuras mais empolgantes. Fazer essa viagem de volta, como elas que desapareciam e apareciam por onde sempre passavam, como se o tempo fosse um só, sem que houvesse a sua passagem através dos dias, semanas e meses. Espantada com o que tinha acabado de ouvir, minha mãe, sorridente, falou que só existia uma maneira de se voltar ao passado distante quando a gente se torna uma pessoa adulta.

- De que jeito? – perguntei-lhe, curioso.

- Sonhando acordado como se o homem, que um dia você vai ser, ainda fosse um menino.

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