Há muito (abençoado seja o dom
De desfiar uma estória a partir de um detalhe
Na rua, no carro — tomo nota para não perder).
Talvez não um detalhe, aliás, um café lotado
Em que se apresentava toda noite uma famosa cantora.
Eu estava sentado com outros entre a fumaça, o tilintar dos copos.
Gravatas, uniformes de oficiais, os decotes das mulheres,
A música selvagem do folclore dali, das montanhas, decerto.
E aquele canto, aquela garganta, um caule pulsante,
Não esquecido por tão longos anos,
Os volteios da dança, o preto dos cabelos, a brancura da pele,
A imaginada fragrância do perfume.
O que aprendi, o que pude conhecer?
Países, hábitos, vidas se foram.
Nenhum vestígio dela e daquele café
Só uma sombra comigo, fragilidade, beleza, sempre.
Czeslaw Milosz
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