quinta-feira, janeiro 16

Permanência


Foi em uma cidade grande, não importa o país, a língua. 
Há muito (abençoado seja o dom 
De desfiar uma estória a partir de um detalhe 
Na rua, no carro — tomo nota para não perder). 
Talvez não um detalhe, aliás, um café lotado 
Em que se apresentava toda noite uma famosa cantora. 
Eu estava sentado com outros entre a fumaça, o tilintar dos copos. 
Gravatas, uniformes de oficiais, os decotes das mulheres, 
A música selvagem do folclore dali, das montanhas, decerto. 
E aquele canto, aquela garganta, um caule pulsante, 
Não esquecido por tão longos anos, 
Os volteios da dança, o preto dos cabelos, a brancura da pele, 
A imaginada fragrância do perfume. 
O que aprendi, o que pude conhecer? 
Países, hábitos, vidas se foram. 
Nenhum vestígio dela e daquele café 
Só uma sombra comigo, fragilidade, beleza, sempre.
Czeslaw Milosz

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