segunda-feira, fevereiro 27

Do pesadelo de dar nome às histórias

É segunda de carnaval, eu sei, mas quero falar de livros. Preciso. Isto porque comecei a escrever um novo romance — ainda estou naquele momento de que mais gosto, pensar a história, montar o esqueleto com os ganchos e vislumbrar nuances do ato final, sem saber direito como chegar lá. Ao mesmo tempo, já começo a me atormentar com a necessidade de pensar o título do romance. Escolher o título de uma história (seja um conto, um romance ou um longa) sempre foi um pesadelo para mim. Pessoalmente, tenho predileção por títulos curtos, fáceis de memorizar, genéricos, que tragam o espírito da história sem entregar muita coisa. Sempre que possível, acho interessante que o título contenha alguma ironia ou mensagem subliminar. Aos 12, quando comecei a escrever, tinha a regra de só desenvolver uma história quando já tivesse um título para ela. Levava isso muito a sério e cheguei a desistir de algumas narrativas apenas porque não tinha um título.

Após “Suicidas”, meu romance de estreia, comecei a escrever um chamado “Rua dos crimes”, um policial-enigma clássico, bem ao estilo Agatha Christie, que eu devorei na adolescência. Havia chegado à metade do livro quando comentei a história com uma amiga e ela retrucou: “Legal, mas é juvenil, né? ‘Rua dos crimes’ é nome de livro juvenil.” Pronto, não consegui mais mexer no arquivo. O título não me convencia e eu não conseguia avançar sem saber que nome dar para aquela história.

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Felizmente, essa mania doida é passado. Hoje consigo escrever sem ter um título. Mas sempre que me pego deitado na cama, distraído, estou pensando: “caramba, que título vou dar para essa história?” Um bom título é importantíssimo. Além de cumprir a difícil missão de apresentar o livro, deixar entrever seu conteúdo, o título é responsável por cativar, atrair alguém que nunca tenha ouvido falar dele, o livro, ou de você, o escritor. Numa consideração comercial, o título — junto com a capa — convence o potencial leitor a comprar o livro: é a primeira impressão que ele tem do seu trabalho.

Com o tempo, a gente aprende algumas coisas. Se escrevesse “Suicidas” hoje, acho que eu mudaria o título. Optaria, talvez, por algo mais abstrato: “A reunião”, “O porão” ou ainda “Roleta russa”. Gosto do nome que escolhi, sei que representa bem o livro e chama atenção de alguns, mas também sei que muita gente torceu o nariz e deixou de ler o livro apenas porque se chama “Suicidas”. Em “Dias perfeitos” foi diferente. Enquanto escrevia, todos meus leitores-beta (leitores teste que leem o livro enquanto escrevo) reclamavam do título: era muito vago, muito simples, parecia história de amor. Eu bem sabia que era um título arriscado — dependia de uma boa capa para passar sua ironia. Ainda assim, fui em frente. Agora, publicado, quase todos os dias recebo e-mails de pessoas que compraram o livro iludidas pelo título (“achava que era um livro fofo”) e se surpreenderam positivamente com o conteúdo. Pessoas que nunca leram um livro de suspense acabaram lendo o livro por causa do título “romântico” e descobriram os prazeres da literatura policial e de mistério. Quer coisa mais legal? Além disso, em todas as traduções, o título original tem sido mantido. Sinal de que funcionou, a meu ver.

Meu quarto romance publicado, “Jantar secreto”, foi um tormento. Quando tive a ideia, o título era “Cortes exóticos”. No “Programa do Jô”, incentivado a antecipar a notícia, disse que o título provisório era “Jantar no matadouro”. Passei por diversas opções: “Carne de caça”, “Mesa para dez”, “A delicadeza do corte” e “Anatomia de um jantar”. Na editora, fizemos reuniões para escolher entre “O jantar está servido” e “Jantar secreto”, mas este último acabou vencendo. Agora, está feito e confesso que gosto. Uma vez escolhido, não dá para voltar atrás.

Nesses momentos de conflito interno, sempre me lembro de uma história que o Marçal Aquino costuma contar. Na época, ele escrevia “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” e todo mundo dizia que era um título ruim, longo demais. Em uma Flip, o mediador soube do título do original nos bastidores e, durante a mesa, insistiu que Marçal revelasse ao público. Ele disse: “Olha, é provisório… Nenhum editor vai querer publicar um livro com esse nome”.

Quando Marçal revelou o título, o editor-chefe da Companhia das Letras chamou da primeira fileira: “eu publico!”. Hoje, “Eu receberia...” é um dos títulos que mais elogiam na literatura brasileira contemporânea, além de ser um livraço. Ainda atormentado por pesadelos com títulos, lanço a pergunta a vocês: escritores, como escolhem os títulos de seus trabalhos? Leitores, quais seus títulos favoritos? Daqui, continuo pensando e escrevendo. Enquanto isso, não durmo.

Raphael Montes

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