quinta-feira, novembro 30

Ando me sentindo estranho!

Minha capacidade de entender e tomar partido em algumas discussões, principalmente entre meus pares, sobre os recentes episódios com a Literatura para crianças e jovens está travada.

Ou cai do ninho ou nunca estive nele!

Entre Lápis e Pincéis: Aleksei Bitskoff
Sempre defendi (ainda acredito nisso) que a literatura não tem função. Que não existe uma única verdade - portanto, todas podem ser só mentiras - que delícia ler um livro só de mentiras. Que a literatura não torna ninguém melhor ou pior. Que a literatura não salva ninguém. Que a literatura não liberta e nem aprisiona. Que a literatura não perverte ninguém. Que a literatura não traz certo e errado. Que a literatura não serve pra ensinar nada. Que a criança pode se identificar com a mocinha ou com o bandido que tudo bem - afinal não somos uma única persona. Que a palavra ou imagem na ficção nem sempre significa o que nossa capacidade de leitor consegue alcançar - às vezes é só um cordeiro em pele de lobo (a inversão é proposital). Que a criança não tem o mesmo olhar reducionista de nós adultos.

Então, exercer o papel de censor sobre qualquer assunto só serve para alimentar o nosso ego e uma falsa tentativa de mostrar que temos poder e que somos mais inteligentes. Ao termos este tipo de postura só reduz a literatura ou a coloca em um lugar que não é o dela. Talvez estejamos fazendo esse tipo de debate porque a narrativa não é literatura e queremos encaixar um quadrado num espaço hexagonal.

Enquanto isso, falamos por aí que trabalhamos para formar leitores críticos e autônomos. Será? Ou estamos sendo especialistas, mestres, doutores em contribuir para que a literatura faça parte de um processo destrutivo da autonomia e criticidade?

Eu acredito nessa literatura que falei acima. A literatura do desserviço.

Chego ao final com a certeza que poderia me juntar a qualquer grupo de discussão: A, B ou C. Defender firmemente com argumentos e até citações de estudiosos.

Mas porque eu não escolho um dos grupos? A resposta é simples. A literatura é maior que eu. Escolher um lado que não seja defender a sua liberdade de transitar e a do leitor de escolher ler ou não é a maior maldade que eu poderia cometer com a sociedade.

Quando defendo que as crianças devem ter acesso aos melhores livros é porque acredito que a literatura estará transitando por esses suportes e a experiência estética e humana - boa, ruim ou sem classificação - poderá acontecer em um grau ampliado.

As crianças sempre terão acesso aos livros ruins ou de qualidade literária duvidosa. Jamais conseguirei barrar isso. O capitalismo é profissional o suficiente, e também maior do que eu, para garantir esse acesso.

Aprendi aos nove anos no ferro velho do meu pai que o objeto livro tem dois valores: o literário e o do peso do papel. Quando eu recebo literatura, eu saio distribuindo literatura. Quando eu recebo livros que o único valor é o do peso do papel, eu jogo no lixo para ser reciclado. Mas essa decisão precisa ser minha como leitor. Como saber diferenciar? Tendo acesso aos dois!

Eu gostaria que as crianças não lessem uma boa parte dos livros que estão no mercado brasileiro por achar que eles reforçam a busca de uma única verdade. Uma única forma de ver e agir sobre tudo. Mas eu não saio por aí pedindo para as escolas, bibliotecas, bancas, editoras, governos, recolherem todos os livros de colorir, da Barbie, de personagens da Disney, etc.

Ops, isso poderia ser considerado um pedido?

Nenhum comentário:

Postar um comentário