domingo, novembro 26

Tudo quase ótimo

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Quando publicou seu primeiro romance, João Pedro encantou a família. O pai – que nunca escondera de ninguém sua incompatibilidade com livros de qualquer espécie – um dia depois do lançamento havia chegado à página 18 e, ao exagerar um pouco, dizendo estar na 25, arrancou tamanha expressão de júbilo do filho, no jantar, que sentiu um agudo remorso por não ter dito estar na 37, na 40 ou em alguma outra que deixasse João Pedro ainda mais feliz.

A mãe, sempre mais generosa, tinha lido tudo até a última letra e comunicou solenemente:

“Joãozinho, o seu é o melhor livro que eu já li.”

Enquanto a gratidão e o amor se misturavam no sorriso de João Pedro, sua irmã, a cruel Ivana, engoliu rapidamente um pedaço de carne para perguntar:

“O melhor ou o único, mãe?”

Dona Joana engasgou com uma garfada de arroz, tossiu, precisou tomar um gole de água e, com o rosto vermelho de indignação e falta de ar, respondeu:

“Como você é venenosa. Desde o meu tempo de escola eu sempre li muito.”

“Sei. Você leu a cartilha, o catecismo e… o que mais, mãe?”

Dona Joana fez o que sempre fazia quando a deixavam nervosa: resolveu ficar muda. Mas seus olhos lançavam faíscas contra a filha e, na hora da sobremesa, pôs menos sorvete para ela. Ivana notou:

“Isso é revanchismo, ouviu, mãe?”

A mãe e o pai, que não conheciam a palavra, olharam instantaneamente para João Pedro e, ao vê-lo sorrir, chegaram à conclusão de que a filha não tinha dito nada muito grave. Aliviados, os dois começaram a conversar sobre questões domésticas, enquanto Ivana, repondo o livro na conversa, deu sua opinião:

“Eu gostei, maninho.”

A alegria de João Pedro foi tanta que Ivana, a terrível, para não perder a fama, fez uma ressalva:

“Mas tem um porém.”

Um minuto depois, João Pedro já sabia qual era o porém: os capítulos eram longos demais, os títulos não prestavam, os diálogos eram frouxos e não havia nem suspense nem dramaticidade nas situações.

“E o resto, você achou bom?”, ele perguntou, com ironia.

“Achei, eu já disse. Mas…”

“Mas o quê? Vai dizer que tem outro porém?”

“É por isso que eu gosto de você, maninho. Você tem muita percepção.”

Enquanto o pai e a mãe se olhavam intrigados, porque não conheciam também aquela palavra, João Pedro, resignado, preparou-se para conhecer mais um defeito do seu romance.

Raul Drewnick

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